spoiler visualizarju.aguiar 01/01/2024
Das famílias fora do sangue
O senhor Silva foi parar em um asilo depois que sua esposa faleceu. Ainda muito confuso e em negação com a morte de seu grande amor, ele se vê num ambiente muito diferente do que estava acostumado. Os motivos de sua ida não estão claros no livro, porém, o que fica muito óbvio é o seu descontentamento inicial.
Ele foi um barbeiro que lia livros e que trabalhou para proteger e sustentar sua família. Laura, sua amada esposa, e os dois filhos, Elisa e Ricardo, foram sua vida toda até que a morte de uma e a chegada da vida adulta de outros os afastassem.
No início de sua vida de casado, a pobreza e a inércia de uma religião acomodada fizeram com que seu primeiro filho morresse logo após nascer. E isso roubara um pouco de sua alma. Durante o período hostil do fascismo de Salazar, ele procurou afastar-se de qualquer problema e viver uma vida média de ?hipocrisias instaladas? que o fez sentir muita culpa e certa vergonha por ser português.
Sem esperar nada e embalado por suas ?casmurrices? o senhor Silva adentrou o Feliz Idade com os piores sentimentos. Dizia do lugar ?o lar da feliz idade, assim se chama o matadouro para onde fui metido?. Não contava em encontrar ali qualquer tipo de assistência que não fosse profissional. Mas não tardou em se enganar. Primeiro um enfermeiro que ?não é habilitado por escola nenhuma senão pela do coração?.
Quando cede a falar e conviver naquele espaço e com aquelas pessoas, o senhor Silva encontra uma família para além do sangue. Lá encontrou o Esteves sem metafísica que devia ter inspirado o poema Tabacaria de Fernando Pessoa. A amizade cresce entre eles e, junto com o Silva da Europa, o senhor Pereira e o Anisio de olhos de luz, são várias os diálogos que levam o leitor ao riso.
A amizade entre eles cresce até a medida que a morte vem buscar a cada um. Mas como nada ele esperava dali, tudo o que veio foi afago na alma. ?Nunca teria percebido como um estranho pode nos pertencer, fazendo-nos falta. não era nada esperada aquela constatação de que a família também vinha de fora do sangue, de fora do amor ou que o amor podia ser outra coisa.?
Livro lindo, cheio de humanidades, como os livros do Valter Hugo Mãe costumam ser. Claro que recomendo, mas alerto para as dificuldades que um livro escrito na nossa língua materna original possa ter. Nada demais se nos entregarmos a esta leitura de coração aberto para o que talvez(?) o futuro nos reserve também.