Marlana.Kiewel 27/11/2019
Saramago Biografia
Saramago Biografia
João Marques Lopes foi o autor da primeira biografia de Saramago, o Nobel de Literatura de 1998. Até meados da página 90, eu lia por ler. Não conseguia enxergar, sentir, viver com Saramago. Porém minha história de amor com o livro Saramago: Biografia começou na página 94, quando li o trecho, não sei quantas vezes. Em voz alta, baixa, em pensamentos. Aconteceu comigo o que alguns chamam de insight, clic, Rito de Passagem ou não sei o que. Quando o biógrafo, apresenta um trecho do livro El amor posible onde o escritor explica seu processo de escrita, o que se conhece como estilo saramaguiano, e que nasceu durante a construção de Levantando do chão.
“ (...) Então convencional, seguindo a norma dos escritores. Quando eu ia na página 24 ou 25, e talvez esta seja uma das coisas mais bonitas que me aconteceram desde que estou a escrever, sem o ter pensado, quase sem me dar conta, começo escrever assim: interligando, interunindo o discurso direto e o indiretos, saltando por cima de todas as regras sintáticas ou sobre muito delas. (...)
Porque algumas coisas nos dão ou permitem uma intensa felicidade, uma felicidade silenciosa, ou como diz Clarice Lispector, uma felicidade clandestina? Uma alegria só nossa, uma paz tão zen que vem por um ato de outra pessoa e que aconteceu com ela e não com a gente? Isto aconteceu comigo também a partir da página citada acima quando João Marques Lopes começa a narrar sobre os livros de Saramago.
Outro encantamento idêntico aconteceu com a jornalista Pilar, companheira das ultimas décadas de vida do escritor português. Pilar não conhecia a literatura saramaguiana, e quando leu a primeira obra dele, chorou muito, tanto que pensou “o que farei com a minha vida daqui para a frente?”. Quem não ama literatura pode pensar que esta pergunta é um exagero. Não é! Não é mesmo, para os que amam os escritores que superam as linguagens dos escritos em geral. Como exemplo, penso em Guimaraes Rosa, Mia Couto e é claro, Saramago. E, por incrível que possa ser, não creio em coincidência, todos estes são do século XX, e escrevem na língua portuguesa.
Saramago não nasceu escritor, ele se construiu como tal. Em suas obras não há apenas o trabalho do oficio da escrita e inspiração, é expressivo e minucioso seu trabalho de coletar lendas, histórias do cotidiano, enfim a expressão mais humana, a alma da população sem representatividade, do povo anônimo. Enfim da arraia-miúda, a qual ele tinha um olhar cuidadoso e um compromisso de ser humano para humano. Não que saísse levantando bandeira. Porém, para exemplificar, Saramago recusou um prêmio expressivo do governo do estado do Pará porque este governo combatia o Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra, o MST. Saramago era este homem, que se importava com as populações menos favorecidas e as imortalizou em suas obras da forma poética, profunda e elegante. Esta postura do Nobel, justifica a frase de Lopes, "o extremismo era moeda corrente na época”, não diferente ao momento em que vivemos no Brasil atualmente, onde intelectuais, estudiosos, pesquisadores; bem como homens e mulheres comprometidos com as injustiças sociais são duramente criticados, perseguidos, quando não assassinados.
Marlana Kiewel
Curitiba, 27 de novembro de 2019