Luiza 04/05/2018
''Aonde vais, Páris? Ignoras o imenso braseiro que vais buscar além das ondas!?''
Livro maravilhoso escrito por esse autor brasileiro que, até então, eu não conhecia! A leitura é muito agradável e envolvente! As histórias principais são narradas com detalhes suficientes para comover, sem contudo se tornarem muito descritivas ou longas - o que faria o livro ter, no mínimo, mil páginas...
Eu me senti empolgada pela história do começo ao fim!
Como Cláudio Moreno explica, "Não existe uma versão oficial da Guerra de Tróia. Como qualquer outra história que faça parte de Mitologia Grega, ela chegou até nós em inúmeras variantes, ditadas por diferentes autores da Antigüidade, que formam uma intrincada tapeçaria de fatos e personagens."
"Tróia - o romance de uma guerra", de Cláudio Moreno é fantástico, porque a pesquisa do autor, que é um brasileiro, é MUITO vasta e TODA baseada em textos clássicos!
Abaixo, eu descrevi os textos que ele utilizou para escrever o livro... vale muito a pena ler!
Além da Ilíada e da Odisseia de Homero, ele usou principalmente as "Fabulae", de Higino, a "Biblioteca", de Apolodoro, e os fragmentos dos "Cantos Cípricos". Também as "Heroídes", de Ovídio (uma coletânea de pretensas cartas de amor entre personagens). "Vida de Teseu", de Plutarco; "O Rapto de Helena", de Coluto, "Em Louvor de Helena", de Górgias, e o "Elogio de Helena", de Isócrates e "Helena", de Eurípedes.
Usou também a tragédia "Filocteto", de Sófocles e "Ifigênia em Áulis", de Eurípedes.
Também pesquisou em "A Queda de Tróia", de Quinto de Esmirna; "A Destruição de Tróia", de Trifiodoro (que contém a melhor descrição do cavalo de madeira); a "História da Queda de Tróia", do misterioso Dares, o Frígio (que diziam ter participado pessoalmente desta guerra!); e o "Livro Segundo da Eneida", de Virgílio. Também foram fundamentais as peças "Hécuba"e "As Troianas", de Eurípedes, bem como o "Ajax", de Sófocles.
Como obra geral de referência, apriveitou o excepcional "The Greek Myths", de Robert Graves; "Greek Mythology Link", de Carlos Parada, que sistematiza toda a mitologia grega e como material iconográfico, o o inestimável "Theoi Project", que reúne, com os textos originais, tudo o que os autores de Grécia e Roma escreveram sobre cada figura da mitologia.
Entao, após todo esforço de pesquisa para juntar as histórias dispersas e divergentes, o autor concluiu um belo trabalho e afirmo: vale a pena conhecer este "fio" da narrativa escolhido por Moreno, que utilizou inúmeras fontes clássicas para criar um enredo coeso e bastante completo e muito emocionante!
Adoraria se Ckaudi Moreno escrevesse A sua versão de "A Odisséia"!
? ALGUNS TEXTOS ESCOLHIDOS
? CONTÉM SPOILERS ?
Cassandra, correu até a praia, desfigurada, o cabelo em desalinho, os olhos esbugalhados com o furor profético: ?Aonde vais, Páris? Tu sabes aonde vais? Tu vais trazer um incêndio! Ignoras o imenso braseiro que vais buscar além das ondas!?. Se viessem de outra pessoa, essas palavras terríveis teriam feito a tripulação desanimar. Nenhum dos presentes, contudo, deu-lhe atenção, porque essa era a sina da pobre Cassandra.
Um dia, Apolo em pessoa, o deus dos oráculos, ofereceu a Cassandra o que ela bem escolhesse, em troca de seu amor. Ela pediu-lhe o dom da profecia, no que foi prontamente atendida. Então, jovem como era, orgulhosa de sua rara beleza, julgou que podia brincar com o deus assim como brincava com os homens; quando Apolo tentou levá-la para o leito, esquivou-se agilmente e disse que talvez um outro dia, se ela tivesse vontade! Apolo, furioso, não podia tirar-lhe o dom que já tinha concedido, mas não ia deixar-se enganar por uma simples mortal. Fingindo que aceitava a brincadeira, pediu-lhe aomenos um beijo ? afinal, um só beijo, na boca. Cassandra achou que era pouco e deixou Apolo beijá-la. Foi o seu fim: o deus, com sua saliva, impregnou-a com uma terrível maldição: nunca mais alguém acreditaria no que ela dissesse, muito menos em suas profecias. E neste inferno ela vivia, e neste inferno ela haveria de morrer,
...só podia ser Pirra, a donzela dos pés grandes. Ela vinha acompanhando, entediada, a demonstração do falso mercador, aborrecida com a incompreensível animação das mulheres diante daquelas quinquilharias coloridas.
Agora, no entanto, aproximou-se de um salto, tirou a espada das mãos de Ulisses e apertou com prazer a empunhadura cinzelada; experimentou o fio da lâmina no dorso da mão, fez com ela um floreio no ar, para melhor sentir-lhe o peso, e deu duas ou três estocadas para a frente, contra um inimigo imaginário. ?Ela é toda tua, Aquiles. Foi feita para ti!?, disse-lhe então Ulisses, sorrindo ao ver a imensa satisfação com que o jovem renunciava a seu disfarce. ?Vamos embora; Tróia está esperando? ? disse Ulisses, e mais não precisou falar. Voltou as costas para os dois baús, abandonou as mercadorias nas mãos que as examinavam e enfiou pelos corredores, em direção à saída, acompanhado de perto pelo filho de Tétis, que se livrava, enquanto ia caminhando, da odiosa roupa com que a mãe o tinha vestido. Todas ficaram estupefatas com aquela cena insólita; só Deidâmia baixou a cabeça, a chorar baixinho, porque, ao ver a animação com que Aquiles se afastava, compreendeu que nunca mais o veria, ele que tinha sido o seu companheiro de leito dos últimos meses, e que agora se ia para sempre.
Aquiles escolheu a garganta, onde termina o pescoço, e foi ali que o atingiu; a afiada ponta de bronze entrou por um lado e saiu pelo outro, e Heitor desabou no chão, tingindo a poeira com o seu nobre sangue.
Heitor, agonizante, em meio a golfadas de sangue, suplicou: ?Por tua vida, por teus pais, eu te peço: não entregues meu corpo aos cães! Aceita todo o ouro que meu pai e minha mãe irão te oferecer, a fim de que os troianos possam me sepultar!?. Mas Aquiles, com um olhar sombrio, não pretendia poupá-lo: "Nem que me ofereçam vinte vezes o teu peso em ouro, não voltarás para casa!?. E, enquanto falava, a morte tomou conta de Heitor, fazendo sua alma deixar o seu corpo ensangüentado e voar tristemente para o mundo dos mortos, lamentando a força e a juventude que acabavam naquele instante. Heitor, o nobre marido de Andrômaca, o filho dileto de Príamo, tinha deixado de existir.
...e a flecha, com sua ponta farpada embebida em veneno, foi guiada por Apolo para o seu calcanhar direito, o único ponto de seu corpo que era vulnerável, por não ter entrado com contato com as águas do sagrado Estige.
...e subitamente entendeu como deviam sentir-se os grandes ursos que ele tinha abatido com o seu arco, quando vivia caçando nas florestas, na sua feliz juventude junto do centauro Quíron; agora ele entendia por que eles mordiam com raiva a haste e as penas da flecha, tentando arrancá-la do corpo, na vã esperança de afastar aquela dor lancinante e insuportável. Com um puxão decidido, conseguiu arrancar a ponta ensangüentada, mas sentiu que sua vida se esvaía com o sangue que jorrava do ferimento. Já sem forças, deitou a cabeça no chão e olhou para o céu, lembrando-se das palavras de Tétis: ?Foi uma pena, minha mãe! Já era tarde demais para eu mudar meu destino! E agora, eu saio da vida sem nunca ter sido feliz!?.
E assim falando, expirou o grande Aquiles, o filho de Peleu e Tétis, o guerreiro incomparável que viveria para sempre na memória de todos os homens.
...e lá estava Filocteto, atirado no chão, quase em delírio, o homem que estava faltando para que Tróia caísse. Sua aparência era terrível; os cabelos emaranhados desciam até a cintura, misturando-se com uma espécie de manto de penas que cobria todo o seu corpo, que ele tinha conseguido tramar para resistir aos frios invernos de Lemnos. Durante todos esses anos, além da dor cruciante de sua ferida, tinha sofrido a tortura constante da fome, pois só se alimentava das raras aves marinhas que conseguia abater ? e nos últimos tempos, até isso tinha ficado difícil, porque começavam a faltar-lhe as forças necessárias para distender o pesado arco de chifre. Seu rosto estava encovado, amarelo como o de um cadáver, e o corpo era quase só pele e osso, as pernas finas como dois gravetos. Mesmo assim, no tornozelo, ali onde a estranha serpente o havia picado, a horrível chaga preta continuava a devorar sua carne, deixando à mostra uma parte do próprio osso. Todo o leito de folhas em que ele jazia estava empastado com aquele líquido viscoso e fétido que escorria incessantemente da ferida.
A morte tomou conta do corpo de Páris, e ele caiu já sem vida, junto a um pinheiro selvagem, na relva molhada de orvalho ? longe de Tróia, longe de Príamo e de Hécuba, longe de todos e de Helena.
Sua morte, no entanto, não ficou sem testemunha, porque lá em cima, no Olimpo, Hera a tudo assistia, sorrindo com aquela satisfação incomparável que só a vingança proporciona: ?Naquele julgamento, Páris, tu me negaste a maçã de ouro da beleza. Pois aí está o teu pagamento: morres como um animal, abandonado no fundo da floresta, e agora és um triste espírito que ruma para o Mundo dos Mortos. Tu te vendeste a Afrodite, mas ela não te protegeu; escolheste muito mal, naquele dia!?
Helena não gostava mais de seu filho ? há muito tempo! Hécuba tinha certeza disso. Acaso ela não tinha visto como Helena vivia atormentando Páris, ao elogiar a força e a coragem de seu ex-marido, só para deixá-lo inseguro? E quando Páris enfrentou Menelau, não ficou evidente que ela torcia pelo grego? Só mesmo um tonto como Príamo para não notar isso, mas Hécuba tinha desistido de alertá-lo, porque ele parecia enfeitiçado por Helena e nunca lhe dava ouvidos. ?Mas a mim, essa grega não engana!?, pensou. ?E um dia, ainda vou desmascará-la!?
Quando a ninfa Oenone chegou ao funeral de Páris, mal começavam a apontar as primeiras labaredas. Ela então cobriu a cabeça com o véu e atravessou a multidão, que se abriu para deixar passá-la, como se fosse uma verdadeira noiva.
Antes que percebessem sua intenção, saltou no meio das chamas e se abraçou ao corpo de Páris. ?Ele agora é todo meu!?, ela ainda gritou, para que os troianos ouvissem. ?Ele está livre de Helena! Na vida, eu o perdi, mas, na morte, ninguém vai nos separar!?
Apolo então fez o vento voltar a soprar, transformando a fogueira numa fornalha incandescente, que envolveu os dois corpos numa parede de fogo. Quando o braseiro foi extinto, as cinzas e os restos dos dois estavam tão misturados que tiveram de guardá-los juntos numa mesma urna.
Atena percebeu que Laocoonte tinha se afastado do grupo, acompanhado de seus filhos, para sacrificar uma gorda novilha em homenagem a Posêidon. Ele era um vidente respeitado e ia fazer todo o possível para destruir o cavalo feito por Epeu; por isso, ela mandou contra eles duas gigantescas serpentes, que saíram de sua grota no fundo do mar e vieram em seu encalço, singrando a superfície das águas com a cabeça levantada bem acima das ondas. Os que estavam perto do sacerdote saíram correndo, espavoridos, e Laocoonte ficou sozinho com seus filhos, com os pés chumbados na terra pela vontade de Atena. Os dois monstros atacaram primeiro os meninos, apertando-os em seus anéis e cravando-lhes as enormes presas afiadas; Laocoonte ainda tentou defendê-los com a lança, mas as duas serpentes enlaçaram seu corpo e o esmagaram com sua força de aço, fazendo-o morrer ali, junto com os filhos. ?Foi Atena que o puniu, por ter atirado a lança em seu cavalo sagrado?, concluíram os troianos, que puseram ainda mais força nos braços que puxavam as cordas.
Todos os heróis troianos estavam mortos, com exceção de Enéias, o filho de Afrodite. No meio daquela loucura, a deusa tinha vindo em pessoa para guiá-lo, são e salvo, para fora das muralhas, porque as Moiras tinham decidido, há muito, que ele sairia de Tróia para fundar um novo reino, que muito prazer ia trazer para os deuses. Assim, carregando nas costas o seu velho pai, Anquises, que não tinha forças para fugir, e conduzindo pela mão o seu pequeno filho Ascânio, Enéias tinha seguido por caminhos tortuosos e ruas desconhecidas, atravessando as muralhas por uma pequena porta secreta, de onde ganhou a planície. Lá, junto a um pequeno santuário dedicado a Deméter, a deusa das colheitas, ele já era esperado por um bom número de fugitivos, que também tinham sido avisados pela deusa para deixar a cidade e rumar para este ponto de encontro. Ali estavam os únicos remanescentes do povo da orgulhosa Tróia, todos prontos para seguir Enéias, porque a profecia rezava que ele os conduziria a uma terra distante, onde fundariam a gloriosa Roma.
Como se a fúria lhe trouxesse forças renovadas, a velha rainha levantou-se de onde estava e aproximou-se de Helena, com o dedo em riste: ?Tu é que devias morrer, espartana! Por causa de teus belos olhos, um reino inteiro acaba de desaparecer!?.
Helena alegou que nem ela nem Páris tinham culpa do que tinha acontecido; a verdadeira responsável era Afrodite, que não a deixava em paz. A deusa sempre se aproveitava dela e de sua beleza para impor aos homens o seu poder. ?Foi ela que me ofereceu a teu filho, quando ele ainda nem me conhecia! Foi ela que decidiu, e ninguém pode resistir à vontade dos deuses!?
Hécuba, no entanto, não se acalmou: ?Afrodite! Meu filho era um homem belíssimo, e tu o desejaste no momento em que o viste! Agora dizes que foi Afrodite! Eu conheço bem o teu tipo: o fogo das tuas entranhas e o teu desejo impudico agora se chamam Afrodite!?.
Alguns, como Ulisses, vagariam ainda por muitos anos antes de rever sua terra. Outros seriam recebidos com traição e assassinato, como Agamênon, apunhalado no banho pela própria esposa, Clitemnestra, que assim vingaria finalmente o sacrifício de sua filha Ifigênia. Raros foram os que, como o justo Nestor, fariam uma viagem tranqüila, retornando à felicidade do lar e ao afeto dos filhos e da mulher. Neste momento, no entanto, em que desfraldavam as velas e começavam a se afastar para sempre daquela praia em que tinham passado os últimos dez anos de suas vidas, todos ainda estavam felizes, orgulhosos com a glória que tinham conquistado para si e para toda a sua linhagem futura: eles tinham vencido Tróia, e seu nome estava gravado na relação dos heróis que a Grécia nunca mais esqueceria.
"Tróia - O Romance de uma Guerra", por Cláudio Moreno