Procyon 26/01/2023
Poesia completa de Alberto Caeiro ? comentário
No ano passado escrevi uma resenha para uma outra edição deste mesmo livro (creio que não tão aprazível quanto esta), portando quero transcrever uma parte dela aqui, e, se possível, concluir brevemente este meu novo comentário.
?Homem do campo, Caeiro realiza uma exaltação do ambiente campestre. É o homem do conhecimento empírico, que nega a alteridade do pensamento, da metafísica. Seu sujeito lírico está impregnado num realismo sensorial, no sensacionalismo ? na instância das sensações ?, no objetivismo total. Entretanto, ao mesmo tempo em que existe uma negação do misticismo, do sobrenatural, ou até da própria filosofia ? opondo-se a quaisquer conjuntos de pensamento ?, os versos de Caeiro contrariam seu ideário de não desejar, adquirindo certo fundo filosófico, com certa inclinação metafísica.
Em sua obra mais célebre, ?O guardador de rebanhos? (presente nesta coletânea), constituído de 49 poemas, Caeiro deixa em clarividência uma síntese de todo seu estilo. Ele foge de termos rebuscados, de uma sintaxe límpida, buscando versos livres e porventura brancos. Seus poemas é que dão início ao paradoxo literário de Fernando Pessoa, que criara uma gama de talentos individuais.?
?Eu não tenho filosofia: / tenho sentidos? / Se falo na Natureza / não é porque saiba o que ela é, / Mas porque quem ama / nunca sabe o que ama / Nem sabe por que ama, / nem o que é amar? / Amar é a eterna inocência, / E a única inocência / não-pensar??
Poeta das sensações (ou sensasionismo), Caeiro nega qualquer misticismo, filosofia ou elemento sobrenatural; nega o pensamento (?acho tão natural não pensar em nada?, ?pensar é estar doente?), estando em sintonia com natureza. Há, sim, uma ?certa inclinação metafísica?, ou ?fundo filosófico?, em Caeiro, mas, como diz Ricardo Reis no prefácio desta edição: ?Seus poemas são o que viveu. [?] Toda obra fala por si, [?] quem não entende, não pode entender, e não há pois que explicar-lhe?. E conclui: ?Este homem descobriu o mundo sem pensar nele, e criou um conceito de universo que não contém meras interpretações?.
Há uma ?simplicidade complexa? em Caeiro que me arrebata, e talvez seja da sabedoria ?natural? de seus versos, da serenidade e de seu lirismo característicos ? uma poesia que mais parece uma prosa, uma conversa ou uma confissão.
?Saia metafísica! Quero sensações.
Medo da morte
Acordarei de outra maneira.
Talvez corpo, talvez continuidade, talvez renovado,
Mas acordarei.
Se até os átomos não dormem, por que hei-de ser eu só a dormir??