annikav.a 09/03/2024
Wild Leaves
Este livro é antes de tudo uma promessa, um acordo feito entre duas pessoas que se amavam muito e de maneira bastante não convencional, "despropositalmente" desafiando a amatonormatividade, o patriarcado, a expressão de gênero, a sexualidade, enfim, cujo amor - como normalmente é, até que a vida nos prove o contrário - parece estar além da morte, no sentido de evitá-la, ou pelo menos torná-la menos dolorosa. Mas só a poesia pode pelo menos tentar conquistar tais territórios: Patti, através de uma inclinação natural e muito estudo, é exímia poeta, capaz de manipular a língua inglesa de forma até então inédita para mim, eu que não tinha nem noção de quantas pessoas são necessárias para se fazer arte, que aqui é retratada verdadeiramente como um trabalho, e trabalho dos mais coletivos em meio a um cenário faiscante de emergência cultural. Em contraste com o (re)nascimento do rock, o início calmo e nostálgico me marcou bastante, a infância de Patti assume um ar mítico fundador em passeios por florestas e parques, questionamentos, preces e perdas. Ao narrar sua infância na Filadélfia, a origem das superstições, seus encontros decisivos com representações de Joana D'Arc, Picasso e Rimbaud, bem como ao nos recontar sua socialização, Patti nos mostra logo quem é -curiosa, inconformista, referente, adaptável às situações mas firme em seus princípios independentes - e daí a cumplicidade foi imediata para mim. As coisas começam a escalonar rápido depois de uma gravidez indesejada e da decisão de se mudar para Nova York, onde Patti conhece Robert, de personalidade bondosa mas caótica, cheio de paixões, de aspirações e sempre faminto em sua incansável perseguição à arte, sobre o qual eu não sabia nada previamente, mas saí da leitura grata por tê-lo conhecido de alguma forma. Até o leitor se sente acolhido pela relação dos dois. Embora eles vivessem em extrema pobreza por grandes períodos e tenham eventualmente conseguido atingir a fama e o reconhecimento, Patti não vende o "american dream" em momento algum, como alguns viriam a fazer. Inclusive, algo controverso- porque deixa o leitura mais chata para quem, como eu, não é familiarizado com as personagens da época- é o constante reconhecimento das dezenas de pessoas que os impulsionaram durante a carreira. Enfim, o livro é incrível, a mulher é uma lenda viva.