Gabaloshan 09/04/2024
As Crônicas de Nárnia, ou O Evangelho Segundo C.S.Lewis
"O Evangelho Segundo C.S.Lewis." De fato esse seria o título mais honesto para esse livro, uma vez que ele não tem nenhum objetivo além de catequizar leitores e vender a visão de mundo religiosa e moralista do autor.
O problema não é apenas esse - antes fosse - , já que, além disso, é uma história mal escrita e incoerente. Os protagonistas são agraciados com conveniências e coincidências uma após a outra; crianças são presenteadas com escudos, arcos e espadas e as aprendem a usar magicamente de uma hora para a outra, chegando a duelar de igual pra igual com a Feiticeira, que é um ser milenar, que domina magia negra, etc. É o tipo de coisa que não da pra ler sem revirar os olhos. É tolo! Ser uma história infantil não é uma justificativa para isso. Alice no País das Maravilhas é ainda mais infantil e propositalmente incoerente, e mesmo assim tem muito mais coisa a dizer. Tolkien abraçou mitologia celta, nórdica e cristã; transmitiu suas crenças e valores, e ainda assim não perdeu a coerência.
Há uma tentativa desesperada de transmitir valores, de parecer sábio, mas tudo soa artificial. "Pra quem não sabe onde vai, qualquer caminho serve," essa é a frase que o Gato de Cheshire diz para a Alice em um momento no livro de Lewis Carroll. Essa frase, solta despretensiosamente, possuí mais significado e profundidade do que qualquer coisa dita em As Crônicas de Nárnia.
Seria uma perda de tempo nomear tudo o que não faz sentido nesse livro. Vou encerrar então, falando do que mais me incomodou. O autor pretendia transmitir a essência do cristianismo, especialmente para crianças, e as coisas ficam logo muito óbvias. Aslan é Jesus, e a Feiticeira, embora tenha sido dito que ela é Lilith, desempenha um papel de Satan. Quando ela vai ao encontro de Aslan, reivindicando o sangue de Edmundo (que representa a humanidade) é fácil de se lembrar do livro de Jó, quando Satan vai diante de Deus para confrontá-lo a respeito de seu servo.
E qual é a essência do cristianismo que o autor comunica? Pois bem! Daí segue um dos momentos mais esquisitos, pois o diálogo entre a Feiticeira e Aslan sugere que havia uma espécie de acordo, ou melhor, uma lei, que fazia com que todo traidor fosse levado por ela e oferecido como sacrifício. O engraçado disso é que isso não nos faz pensar no Diabo, mas sim no Deus do Velho Testamento. Era dele a lei. Era ele quem exigia sacrifício, foi ele que, desde o princípio, se alegrou com a oferta de sangue de Abel. Em outras palavras, a Feiticeira está muito mais perto do Deus bíblico do que de um Diabo de qualquer espécie. Ao menos é o que é possível concluir no evangelho do apóstolo C.S.Lewis.