Ka 25/04/2015
O Processo Criativo Segundo a Ótica de Fayga Ostrower
"Criatividade e Processos de Criação" é o livro de estreia da artista plástica Fayga Ostrower. Pertencente ao expressionismo abstrato, Ostrower escreveu seu primeiro livro em 1977 e nele trata sobre a criatividade e a relação com os seres humanos, o “humano criativo” segundo ela, sustentando-o na sua vivência artística e em referências históricas de diversas áreas. “Criar é tão difícil ou tão fácil como viver. É do mesmo modo necessário”, é com essa ideia central que a autora sustenta no seu texto que a criatividade depende da sensibilidade e também da elaboração teórica.
Desde o início do texto, Fayga diz que criar é uma necessidade, não apenas um gosto ou uma maneira de se expressar. Assim como a criatividade é uma necessidade, o homem precisa se expressar criando algo, pois o potencial (título desse primeiro capítulo) criativo é inerente a ele — o que a artista chama de “dar forma”. Ainda que, em nossa sociedade, a criatividade e o fazer artístico muitas vezes são vistos como passatempo e algo supérfluo, ela os considera como trabalho. O ato criativo estaria dentro de uma intencionalidade humana, nem sempre consciente.
Há comportamentos considerados biologicamente inatos, como a consciência e a sensibilidade (dentro deste quesito, a autora trata principalmente da percepção), mas estes não se desenvolvem sem estar à luz de uma cultura. Citado por Ostrower, Carleton Coon traz uma importante contribuição ao texto, quando sustenta que “a biologia tornou-se inseparável da cultura, uma vez que nossos ancestrais começaram a usar ferramentas. A partir de então, a seleção natural favoreceu aqueles que puderam usar a cultura em seu melhor benefício” (OSTROWER apud COON, p.16, 2001). Já que a criatividade está intrinsecamente ligada ao contexto cultural em que o indivíduo vive, a autora defende que os processos criativos são fundamentais para evitar a alienação humana.
Fayga Ostrower ainda disserta sobre os processos que envolvem a memória. Talvez por se tratar de um texto com mais de três décadas, Fayga erroneamente afirma que os animais não possuem memória ou, pelo menos, a capacidade de analisar o presente, relembrando fatos passados, quando, na verdade, sabemos que os animais têm memória visual e, inclusive, afetiva. A autora afirma que os humanos teriam uma memória não-factual, mas sim “de viva vivida”.
Depois disso, ela discorre sobre os métodos associativos, a fala, a simbolização. A percepção, além de nos permitir movimentos empáticos, possibilita que representemos as coisas que vimos, percebemos, através das palavras (que também dão sentido a termos abstratos).
“No cerne da comunicação está a nossa capacidade de nos comunicarmos por meio de ordenações, isto é, através de formas”. (OSTROWER, 2001, p. 24). É por meio das formas simbólicas que constituímos nosso referencial para avaliar fenômenos e também para criar. O ato criativo seria vinculado a uma série de ordenações e compromissos internos e externos. A artista plástica ainda comenta sobre o potencial criativo — que elabora-se nos múltiplos níveis do ser sensível-cultural-consciente do homem, e nas formas de apreender a realidade — e sobre tensão psíquica (um acúmulo energético, uma noção de renovação constante do potencial criador).
Na arte, o imaginar corresponde a um “pensar específico sobre um fazer concreto” de uma matéria, ou seja, o pensar só se torna imaginativo por meio da concretização de uma matéria, como é explanado no início do segundo capítulo. Mais além, a autora diz que a imaginação criativa provém da capacidade de relacionar com a materialidade. Todavia, quando não conhecemos a matéria ou quando não vivenciamos a materialidade, torna-se impossível entender o processo de criação. A imaginação e a linguagem adquirem formas pessoais e subjetivas, mas nem por isso as obras deixaram de ser comunicativas ou referências. Elas não perderam a objetivação da linguagem pela matéria, que nos permite avaliar as ordenações e compreender seus conteúdos e sentidos.
Enquanto isso, a autora afirma que a criatividade está presente em todas as áreas, não somente na arte (por isso essa seria tratada com tanta subjetividade), pois a imaginação criativa nasce do interesse, da motivação. O processo de criação artística é consequência do processo de formação, no qual o artista ao levantar uma pergunta, relaciona os fenômenos e configura certas relações, dando-lhe uma estrutura, um conteúdo significativo.
Em suma, a criação engloba a intuição, o potencial criador, toda a vivência do artista, seus impulsos inconscientes, seus conhecimentos, seus sentimentos, seus ideais, as conjecturas, as propostas, as dúvidas, o que ele pensa e imagina, enfim, tudo o que ele é. A poesia, a pintura, a escultura, a música, a dança, a arquitetura e tantas outras são formas expressivas de arte que, para Ostrower, representam a experiência de vida e a realidade vivida do artista. Para finalizar o segundo capítulo do livro "Criatividade e Processos de Criação", a autora reitera que a criatividade é inseparável da condição humana.