tiagonbraz 07/09/2022
O Trabalho Intelectual e a Vontade, de Jules Payot
"Toda erudição e toda pesquisa de algo que foi pensado por outros são vãs, se nos distraem do trabalho essencial que é confrontar, por exemplo, uma página de um grande escritor com a nossa experiência. Uma leitura realizada sem esse trabalho ativo que ninguém pode fazer por mim, já que minha experiência é única, não passa de pseudo-trabalho, puro esforço de memória."
"O Trabalho Intelectual e a Vontade", continuação de Jules Payot à sua obra prima, "A Educação da Vontade", entra em detalhes no modo de conduzir atividades intelectuais de forma efetiva. Leitores, escritores e estudantes, entre outras profissões, podem obter dicas valiosas do autor para a tarefa que terão ao longo de suas vidas - a aquisição de conhecimento e, como fim último, a busca da Verdade.
O livro é dividido em duas partes: a primeira, "Amar o Trabalho e Saber Trabalhar", traz algumas bases do conceito de trabalho, o que realmente é trabalhar e como aprender a não sucumbir à preguiça ou às sensações, a fim de utilizarmos melhor nosso precioso tempo. A segunda, "Os Fundamentos Psicológicos de um Bom Método de Trabalho", além das teorias psicológicas, traz contribuições fundamentais, práticas, para o exercício da leitura e como fazer anotações que sejam úteis para toda a vida.
Payot faz críticas ao pseudo-trabalho, que geralmente se disfarça de um esforço verdadeiro. Durante a leitura de um livro qualquer, transformar a atividade em um pseudo-trabalho é fácil: passa-se os olhos pelas frases tal qual se observa os carros em uma rodovia, indo e vindo; não se apreende, não se compreende uma frase sequer. Gasta-se tempo, enganando a si mesmo de que algo útil está sendo feito. Semanas (ou até mesmo dias) depois, logo se vê que nada sobrou.
Para ele, a leitura passiva é um mal que deve ser combatido ativamente. Não se deve ler sem reflexão, sem verdadeiro esforço para compreender o livro por inteiro. E isso passa tanto por não deixar dúvidas para trás - e, com a Internet, isso jamais foi mais fácil - e confrontar as ideias do autor com nossa própria experiência - não se curvar perante a "verdade" sendo dita, mas perguntar-se: "Levando minha experiência de vida até agora, isso que o autor disse faz sentido?". Assim, pode-se dialogar com o próprio livro, levando em conta o pensamento do autor e comparando-o a nós mesmos. Neste ponto, entra também a própria meditação, que, conforme Hugo de São Vítor, "é eminentemente prática" - assim como deve ser a leitura. Deve-se meditar sobre as leituras feitas, mas não com o objetivo de memorizá-las, mas, como já dito, confrontar as ideias com as nossas, e chegando à conclusão do que realmente faz sentido para nós, e talvez então mudar nossa visão de mundo e nossas ações. Dessa forma, nossas leituras poderão realmente ser aproveitadas.
É possível que este livro mude seu modo de ler, de anotar suas leituras e, talvez, até de viver. A insistência de Payot para que se compreenda por inteiro os bons livros, que se confronte as ideias com a própria realidade; sua experiência sobre anotações, que mudou completamente o meu modo - de no máximo 40 "temas" de fichas (antes minha categorização de anotações era ilimitada - e, por óbvio, uma bagunça) -; e suas críticas a pseudointelectuais e pretensos "eruditos", sisudos, mas que não apreciam a natureza e não são uma boa companhia para a própria família: tais orientações podem ser de grande valia para sua vida, como foram para a minha.