VicBanger 27/03/2021
Uma delícia!
Primeiramente, creio ser de suma importância destacar que O Sedutor do Sertão não foi escrito em forma de roteiro - informação esta presente na própria apresentação à obra, escrita por Carlos Newton Júnior. Trata-se, sim, de um romance pensado para a posterior transformação em roteiro de cinema, mas que foi concebido como um romance mesmo. Enfim, achei válido iniciar a minha resenha falando sobre isso, visto que aparentemente algumas pessoas por aqui estão confusas quanto à produção de O Sedutor do Sertão.
Segundamente, devo dizer que este é um livro delicioso. Deixei-me envolver pela leitura de um modo que há muito não me deixava envolver. Percebo que Ariano Suassuna geralmente é lembrado pela sua contribuição ao teatro, faceta que eu já conhecia; mas sempre ouvi comentários sobre a genialidade do homem dentro do campo da prosa literária (A Pedra do Reino que o diga), e aqui estou, conhecendo agora este lado do autor paraibano.
Ah, e apesar de haver uma predominância da prosa, O Sedutor do Sertão mostra muito gosto pelos versos, que preenchem várias páginas com a tradição do cordel (quase sempre em versos de sete sílabas). E essa mistura de formas executada pelo Suassuna mostra uma sensibilidade absurda dum artista que parece o tempo inteiro estar flutuando entre o romance, o poema e o audiovisual (por mais que não seja um roteiro de cinema, dá pra notar que o autor realmente estava encaminhando o seu texto para isso - com falas curtas e diretas e versos que poderiam muito bem ter sido cantados em uma trilha sonora); o que poderia virar uma bagunça nas mãos de uns, nas dele virou um exemplo de domínio criativo.
Curioso que a minha primeira experiência pelo lado romancista do Suassuna tenha se dado por meio de O Sedutor do Sertão, visto que muitos fazem questão de destacar a importância de A Pedra do Reino. O Sedutor pode até ser uma obra menor do autor paraibano, mas é uma expressão de grandeza literária. Acompanhar a peregrinação dos personagens é fascinante, pois assim podemos ver que eles apenas tentam fazer uma coisa em meio a um cenário político caótico: viver. A malandragem do Malaquias, a amizade e submissão do Miguel, o tom ameaçador de Sinfrônio, a delicadeza enigmática de Silviana, o jeito fechado de Maria Cascalha (com os seus muxoxos)... Todos os personagens são fascinantes!
Apesar de Malaquias Pavão ser tido como um verdadeiro sedutor - segundo ele próprio, "não um galo de briga, mas de reprodução" -, percebe-se que os sentimentos dele em relação à Silviana são genuínos. Temos um protagonista cheio de vícios, mas dotado de muito carisma e de bons sentimentos. Mesmo com os seus defeitos, torna-se uma tarefa complicada não gostar do Malaquias - que está quase sempre com o seu valioso cavalo "Rei de Ouro".
Um texto leve, mas profundo. Bastante engraçado, mas faz uso do riso justamente para lidar com certas mazelas sociais. Um grande exemplar de prosa literária - e o meu primeiro contato com esse universo do autor. Ah, e além do mais, é uma declaração de amor ao Nordeste. Bravo!