mpettrus 30/12/2022
Coração de Mulher, Mente de Escritora e Alma de Poeta
Sempre tive enorme interesse em ler as poesias de Maya Angelou, a icônica escritora conhecida por seu empoderamento e defesa de mulheres e escritores afro-americanos deixando vasta obras de poesias e livros autobiográficos. Mas como lhes disse na resenha sobre o também poeta Paul Auster, ler poesia, ao menos para mim, é muito difícil. Eu preciso está desconectado da vida real para poder embarcar na jornada literária de ler um livro de poesias.
Preciso antes de tudo, conhecer, ao menos o básico da autobiografia da vida do poeta, porque muito dos versos que escreve é sobre sua própria vida. Isso é uma característica muito própria na escrita poética. Ler poesias é um verdadeiro exercício de interpretação de textos e paralelos com a vida real do poeta. Felizmente, a oportunidade de ler essa incrível poetisa chegou e eu sem me demorar demais, agarrei a chance. E que experiência inesquecível.
Ler o livro de poesias de Angelou me transportou para um lugar de reconhecimento daqueles versos, daquelas estrofes, de identificação. Diferentemente de quando li o livro de poesias do Álvares de Azevedo, ou do norte-americano Paul Auster ou até mesmo o da poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, não houve dificuldades de reconhecer em seus poemas a sua intenção do seu dizer, da sua mensagem, dos seus conselhos, dos seus desabafos, das suas confidências.
Foi uma conexão muito imediata e genuinamente muito acolhedora. A voz poética de uma mulher preta ressoou na minha alma, a alma de um homem preto. Não queria dá a esse fato uma importância além do que se tem, mas é difícil de não o fazer. Os poemas que contém temas do racismo e a luta por um mundo mais igualitário me marcaram profundamente.
O poema ?África? me trouxe uma sensação tão poderosa de entendimento que poucas vezes sentir isso num tempo tão curto ao término da leitura de um poema. A poetisa descreve a situação do continente africano através da metáfora do corpo de uma bela mulher. E eu conseguir entender a decisão de fazê-lo nesse molde, porque o objetivo que ela quer atingir aqui é arrancar a empatia do leitor a partir do sofrimento do povo africano.
Ao utilizar a metáfora do corpo de uma bela mulher, porque o sofrimento é mais tangível e mais escandaloso quando lhes é mostrado um rosto específico, a poetisa consegue criar no leitor a empatia com aquele povo, consegue tornar seu leitor simpatizante com a luta de sobrevivência dessas pessoas.
E o que falar do poema ?Pássaro Engaiolado??! Eu fiquei num mix de emoções que é até difícil descrever. O poema fala de um tema, que nos dias de hoje nos parece banal, mas a época do seu lançamento, foi tipo vanguardista. A autora nos fala sobre resiliência. E é sobre, sobretudo, a resiliência do afro-americano, mas que de alguma maneira, em algum ponto nessa poesia, universaliza o tema para todos nós do povo preto.
A metáfora do pássaro para contar sobre a história afro-americana foi muito simbólica. O pássaro quer alçar voo porque sabe que tem enorme capacidade para isso, mas se ver limitado preso numa gaiola. Perceberam o jogo de ideias aqui?! E esse poema te pega tão de surpresa porque inicia de maneira solar, leve e termina de maneira sombria, trágica.
A experiência de ler as poesias de Maya Angelou foi arrebatadora. Não porque eu seja afro-americano, porque eu seja um africano, é simplesmente porque eu sou um homem preto e é impossível não levar em conta esse fato. Porque Maya é preta e falou disso em seus versos melancólicos, em sua poesia sombria, mas que também trazia uma carga de esperança para os seus iguais, seguindo um caminho para a África, de alguma maneira pátria de todos nós pretos.
Mas não se enganem pensando que seus poemas se atém somente a essa pauta. Ela também é uma mulher. Lutou para ser vista como uma mulher em pé de igualdade com outro gênero: o homem. Então arrisco dizer que outros leitores irão se identificar com sua escrita. Ela descreveu vividamente através de aventuras pessoais uma gama de experiências enquanto mulher preta, tanto negativas quanto positivas, numa exposição ao longo da vida a vivência negra.
Sobre seu estilo na escrita poética, na minha humilde opinião, seus poemas não seguem um padrão, não aparentemente. Seus versos são livres, não há uma rima em específico ou contagem de sílabas, por vezes, notei nos poemas linhas quebradas, mas, acredito que foi para dar uma sensação de andamento e ritmo na leitura de seus poemas com o objetivo de adicionar uma maior carga dramática nos seus veros. E confesso que para mim funcionou.
Maya é uma excelente poetisa, principalmente por sua habilidade de utilizar muito bem as metáforas e conseguir fazer o leitor identificar exatamente o que ela quer dizer. As suas poesias, a própria personificação do coração de mulher, mente de escritora e alma de poeta, são como trens de memórias transportando lembranças boas e ruins. As memórias de dor descritas como histórias antigas são reais e importantes, porque ainda reverberam no nosso século XXI, e essas histórias se repetem porque a humanidade ainda não aprendeu com o passado não tão distante de hoje.