Krishnamurti 08/03/2020
"A NEGRA COR DAS PALAVRAS" – DE ALEXANDRA VIEIRA DE ALMEIDA
Em 01/09/2017 escrevi uma resenha sobre o livro “Dormindo no verbo” de uma jovem escritora chamada Alexandra Vieira de Almeida: “Na medida em que avançamos na leitura, sentimos que algo lateja naquela poética a demonstrar que a criação literária não se dá pela livre e espontânea vontade de um sujeito, ela é sempre uma emergência, uma irrupção involuntária e arrebatadora. Aquilo que levou Clarice Lispector a escrever em “A descoberta do mundo”: ‘Não, não estou me referindo a procurar escrever bem: isso vem por si mesmo. Estou falando de procurar em si próprio a nebulosa que aos poucos se condensa, aos poucos se concretiza, aos poucos sobe à tona – até vir como num parto a primeira palavra que a exprima’.
A leitura de Alexandra Vieira de Almeida nos leva a fazer conexões com o pensamento de Gilles Deleuze (1925-1995), um filósofo que se diferencia da maioria dos filósofos da tradição do pensamento por manter vivo um diálogo com a literatura que vai se formando como um rizoma (sistema aberto onde os conceitos são relacionados a circunstâncias e não mais a essências), a florescer para todos os lados. Em termos de linguagem, seu valor está em falar de uma máquina abstrata da língua que revela a cada instante, um devir revolucionário dentro da própria língua, acabando com as dicotomias, fazendo o discurso direto banhar-se constantemente no discurso indireto, nos mostrando assim, que falar da linguagem é nos envolver em uma teia que vai se embaralhando nela mesma a nos arrastar para toda complexa malha que povoa o universo linguístico.
Este parece ser o convite que autora nos faz de aventurarmo-nos em uma viagem que se inicia para além da sintaxe. Sairmos dos sulcos costumeiros da linguagem e fazermos da língua, um elemento fundamentalmente expressivo no mundo. É entrando nessa máquina abstrata da língua e enlouquecendo com ela que se pode utilizar a linguagem para obedecer e fazer obedecer e não acreditar nela. Deleuze em seus textos incita-nos a fazer da linguagem um estilo de vida, onde seu abrigo, sua morada, somente passa a existir quando nos abrigamos nela de forma indireta. Esta a travessia que Alexandra assume com toda coragem, torcendo e destorcendo a linguagem, criando uma nova língua dentro da nossa língua, diria Proust, uma espécie de língua estrangeira, de algum modo. O regime semiótico se dá na linguagem criativa, embaralhada. Sabemos que o escritor ‘inspira-se’ no vivido, parte do seu eu, das suas observações e emoções, dos seus estados perceptivos e afetivos. Mas para ultrapassá-los, para adicionar outro tipo de percepções e sentimentos que excedem todas as vivências, para extrair do vivido inéditas sensações e dar-lhes uma vida própria, fazê-las viver a sua própria vida.”
Tempos depois de ter escrito os trechos acima, encontrei novo livro da autora: “A serenidade do zero”, e desta vez (09/10/2018), escrevi: “Duas ordens de ideias nos ocorrem ao cabo da leitura de uma obra como “A serenidade do zero” de Alexandra Vieira de Almeida. A primeira diz respeito à inspiração do fazer poético, e a segunda, de caráter mais prático ligado ao trabalho artístico pensado. É certo que cada poeta tem suas motivações individuais para o ato de produzir literatura. Entretanto a perspectiva do abandono à inspiração quanto a produção consciente e trabalho rigoroso da poeta são importantíssimos porque nessa confluência encontramos o texto poético na originalidade intrínseca de cada palavra, a mágica descoberta de seus sentidos, até alcançarmos a profundeza de significados que resultam na emoção e reflexão propiciadas pela poesia. Ideias e imagens inspiradas nada seriam sem o trabalho consciencioso da palavra, para que a concretude do texto poético seja viável.
“Deixar as palavras livres / fora das gaiolas inquietantes”.
A criação poética remete a uma pluralidade de sentidos de um mesmo vocábulo, para a experimentação de imagens, de ritmos, de sons. Todas essas combinações requerem conhecimento e o trabalho dedicado da autora. Uma artífice que rompe a barreira do óbvio, do literal e do real para criar imagens poéticas, para colocar poesia em sua criação artística. São essas imagens as responsáveis por dizer o que as palavras não dizem, por possibilitarem a fuga do lugar comum, para um espaço afinal privilegiado onde a palavra “pode ser”.
E me vejo aqui em Março de 2020 perplexo e feliz em reencontrar Alexandra Vieira de Almeida que é também professora, poeta, contista, cronista, crítica literária e ensaísta, além de Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a nos brindar com mais uma preciosidade que é este “A negra cor das palavras”. Li em alguma parte, que sobre a obra escreveram: “Por meio da poesia, o livro “A negra cor das palavras”, traz versos que destacam a temática social, procurando revelar, através da negritude, a potência da língua e da voz de uma raça que foi tão oprimida.” Sim, por certo há este enfoque também, mas não é só isto e Antônio Carlos Secchin, avisa na quarta capa da obra, que “Alexandra evita o panfletarismo”. Repetimos. Há mais, muito mais dentro do que ficou dito nas resenhas anteriores dos livros da autora e que constatamos com muita satisfação que a cada nova obra mais se depura. E dito isto está dito tudo.
Muito bem; não há necessidade de acréscimos quanto ao fazer literário de uma autora que sabe aliar imaginação, sentimento e sobretudo capacidade expressiva. Sim; porque ninguém duvide. Talento só não basta, é preciso o formão vigoroso do esforço próprio para fazer a Boa Literatura que lemos em “A negra cor das palavras”. Curto e grosso: querem ler Literatura brasileira contemporânea da mais alta qualidade? Vão lá no link abaixo, e comprem o livro! Um abraço desde a Bahia!
Livro: “A negra cor das palavras”, Poesia de Alexandra Vieira de Almeida, Editora Penalux, Guaratinguetá – SP. 2019, 102p – ISBN 978-85-5833-624-6.
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