Jorge 13/03/2024O abandono afetivo que adoece a alma.Da literatura inglesa vieram alguns dos mais bonitos e inesquecíveis clássicos da literatura para crianças, boa parte da responsabilidade coube a escritora Frances Hodgson Brunett. São muitos os fatores combinados que fizeram com que o seu livro O Jardim Secreto ganhasse força ao longo do século, demonstrando a sua capacidade de se manter vivo no mundo contemporâneo. Uma das qualidades da obra é retratar muito bem o embate entre as culturas. Obviamente um texto que foi concebido em 1911, que retrata tão fielmente o ambiente aristocrático inglês, pode soar problemático para os dias de hoje, mas ao ler devemos sempre considerar a evolução do pensamento. Particularmente não sou a favor de omitir ou fantasiar o passado. Sou contra a higienização de textos clássicos. Acredito que se lidos com criticidade, aprendemos, a partir dessas obras, a importância da evolução dos debates em torno das questões de raça e gênero. Dito isso, vamos a resenha.
O jardim secreto possui um texto que aguça os sentidos do leitor, uma vez que a autora domina muito bem o ritmo narrativo, sem deixar de lado a riqueza de detalhes necessária para que o leitor consiga imaginar essa história. Ao ler é possível sentir o cheiro do verde das folhas brotando quando o pingo da chuva cai na terra, bem como o cheiro da chuva da noite caindo em linha cinzenta e escorrendo pela vidraça da residência onde se passa a história, uma mansão de seiscentos anos, com cem quartos, repleta de mistérios por todos os cantos.
Não se trata de uma história rasa, pelo contrário. Existe uma profundidade psicológica em O Jardim Secreto. O livro sinaliza os efeitos nocivos do abandono parental. Não faltam ensinamentos que servem tanto para você que é mãe ou pai de criança pequena, ou que pretende ser um dia. As duas crianças protagonistas, Mary e Collin, formam o reflexo do abandono parental. São cercadas de empregados rústicos e subservientes dispostos a adulá-los, mas faltam-lhes o amor que apenas pode ser oferecido por um pai ou uma mãe. Portanto, tornam-se crianças mimadas, egoístas, de cara feia, acostumadas a viverem em seu próprio mundo, teimosas, amareladas e enjoadas para comer. Crianças com dinheiro no bolso, e com solidão em seus corações.
Nota-se que o Jardim Secreto não é um livro de fantasia. Mas a gente pode fazer de conta que é. Afinal, ninguém pode negar que é uma história mágica, muito embora essa magia não consista em criaturas élficas, pozinhos cintilantes, feitiços ou feiticeiros. Na verdade, o Jardim Secreto é a prova que não existe necessidade de sobrenatural para existir a magia, uma vez que a magia é tudo aquilo que está sujeito a transformação ao redor de nós ou dentro de nós. Pois mesmo se as flores estiverem mortas, há uma porção de coisas que ainda estão vivas e podem ser mudadas. Sim, temos aqui uma história que vai muito além da ressurreição de um jardim abandonado. É sobre a capacidade humana de se renovar e recuperar o sentido da vida.
IG literário: Estante_do_Jorgito