Procyon 11/10/2022
Lanterna Mágica ? Resenha
?Com uma história dessas, o sujeito é forçado a virar um gênio.? (p. 5)
A trajetória do cineasta sueco Ingmar Bergman é oscilante, não em relação aos seus filmes ? em geral consistentes ?, mas sim no tocante às relações amorosas. Em Lanterna Mágica, sua autobiografia, Bergman evoca a mesma beleza severa de seus filmes, através de descrições de momentos do profundo sofrimento.
Circunscreve-se um exagero de explicar uma educação severa do e um jovem nórdico e religioso no começo do século passado. Passado por uma vida problemática, uma infância marcada pela infelicidade, encarou a arte como subterfúgio. Criado num universo luterano e de grande repressão, cresceu, como conta, em meio a conceitos de pecado e culpa, entrando em contato com tanta religião na infância que engendra a perda da fé. Insere relatos chocantes de dor, esforço, inquietação, sobretudo angústia, temas tão impregnados na sua filmografia.
?Às vezes tenho de me consolar pensando que aquele que viveu na mentira aprendeu a amar a verdade.? (p. 22)
É um livro circular e não segue uma linearidade cronológica, começando e terminando com seu nascimento. Seus devaneios e reflexões têm uma aura lírica cada vez que se aproximam os capítulos finais. Como narrador não confiável, há muita pessoalidade nas linhas, onde, mesmo em momentos mais descontraídos existe algo de bíblico, de severo. Apesar de todas as proibições e regras incompreensíveis a que era submetido, sua infância ainda foi marcada por cenários inesperados e instantes mágicos, e pelo qual Bergman rememora suas lembranças com sinestesia, evocando luzes, sons e aromas.
Além das memórias da infância, rememora sua carreira no teatro, breves passagens sobre seus filmes, problemas de produção, uma formação cultural sólida ? era autodidata ?, sentimentos ambíguos em relação aos pais ? que ocupam as passagens finais do livro com certo apuro poético. Daí nós, leitores e espectadores, entendemos os temas mais imprescindíveis ao autor: o silêncio de Deus, a maldade humana, infelicidade, traição, desilusão.
Em grande parte, em relação a seus filmes, concede apenas as ressonâncias íntimas dos bastidores ? e aí mora o mais fascinante de suas ponderações sobre seu cinema ?, com disputas de autoridade no set, como Alf Sjöberg, Ingrid Bergman e Victor Sjöström ? há passagens envolvendo sua experiência com escritores, teatrólogos e cineastas que cativam por uma certa aspereza pragmática ?, em que Bergman desvenda esses mitos com pessoalidade, franqueza, vaidade, e sobretudo imaginação.
?Cinema como sonho, cinema como música. Nenhuma outra arte passa tão perto de nossa consciência diurna, indo diretamente até nossos sentimentos, até as profundezas do espaço obscuro da alma.? (p. 89)