João Pedro 18/12/2020Devaneios dignos de um livro"Sem dúvida, estou sonhando. Estou no ginásio. Tenho quinze anos. Resolvo pacientemente meu problema de geometria. Apoiado na carteira escura, uso direitinho o compasso, a régua, o transferidor. Estou concentrado e tranquilo. [...]"
Desde pequeno, quando li pela primeira vez "O Pequeno Príncipe", e de tanto minha mãe enaltecer a obra e seu criador, nutro certo fascínio por Antoine de Saint-Exupéry. Acho que, em grande parte, isso tem relação com minha memória de infância e o ar de mistério que circundava a narrativa: seria Saint-Exupéry o piloto presente na história? Ele realmente conheceu o Pequeno Príncipe?
Mesmo sabendo muito pouco sobre suas outras obras, e ciente de que em nada se pareceriam com a história do pequenino príncipe, optei pela leitura de "Piloto de Guerra", livro escrito em 1942, em meio à Segunda Guerra Mundial. A guerra e a aviação são temas centrais de suas outras produções literárias, e este livro em particular foi escrito a partir de uma experiência específica do autor: uma missão tida como suicida - pois poucos retornavam - para a qual ele fora designado na França de 1940.
Confesso que, ingenuamente, pensei que o livro seria mais um relato da periculosa missão da qual Saint-Exupéry se sagrou vencedor, uma vez que sobreviveu, mas, em verdade, boa parte da narrativa se centra em devaneios do autor, enquanto os detalhes da missão figuram como pano de fundo. Além disso, o autor reflete bastante sobre o sentido da guerra: é nítido seu desapontamento para com a guerra em si e para com seu país, a França, mas também é perceptível que, por mais pacifista que fosse sua índole, ele nutria um sentimento de dever para com a pátria - talvez isso, aliado à sua paixão por voar, o tenha levado a voluntariamente se alistar para figurar na linha frente da guerra, o que, fatalmente, deu cabo à sua vida em 1944.
Apesar disso, a obra não deixa de ser boa, apesar de particularmente tê-la achado um pouco cansativa após a metade. Fato é que, em se tratando de Saint-Exupéry, até seus devaneios são dignos de leitura.