clandestini 05/08/2011Esse livro me pegou de jeito mesmo! Uma narrativa que me fisgou logo nas primeiras páginas e de um dinamismo, um detalhismo e uma criatividade maravilhosos.
A Criança Roubada é um conto de fadas, mas ele é diferente de todos os contos de fadas que eu já li (não que eu tenha lido muitos). Ele é quase um drama, uma história difícil e profunda.
Uma criança foge de casa por motivos bobos e se esconde na floresta, Henry Day. O que o pobre menino não sabia é que vinha sendo observado havia muito tempo por criaturas que pretendiam ocupar o seu lugar no mundo.
São fadas, mais do que isso (o próprio personagem explica, logo na primeira página do livro), são hobgoblins – ou changelings (do inglês “to change” = “trocar”) que um dia foram crianças e esperam para poder ocupar o lugar de outra criança quando chegar a vez. A troca acontece e a partir daí a narrativa segue em dois planos, a do menino sequestrado, transformado em fada e último da fila para ocupar novamente o lugar em alguma família, e a fada que se transformou no menino e tomou seu lugar.
O autor, em seu romance de estréia consegue chegar a uma narrativa instigante, riquíssima e profunda. Cada história, a do menino que virou fada e da fada que virou menino, percorrem caminhos que eu não poderia imaginar. Ambos enfrentam os problemas reservados à nova vida. Como ser uma fada? Como usar esses poderes novos? Como compreender esse novo mundo? E ainda por cima o desejo da memória.
Henry se esforça para não esquecer da vida anterior, do rosto da mãe, do pai, das irmãs. Inútil tentar. A cada dia que passa esses rostos, os nomes, o próprio nome não passa de um borrão (ele foi rebatizado como Aniday). Mas ele tenta, e tenta incansavelmente. E um dos pontos que mais me conquistou no história foi a fome pelos livros. As horas que ele passava no porão de uma biblioteca lendo ao lado de uma companheira de jornada que encontrou no grupo de fadas. E lendo de tudo. Começam lendo livros infantis e passam para os grandes clássicos da literatura. Um adulto preso em um corpo de criança por décadas, até escolher uma criança para se transformar. E seu único legado é um livro que escreve com tudo que foi possível lembrar, a partir de uma arqueologia primária, dos restos que ele produziu e deixou ao longo de sua vida.
A fada que virou menino tenta se adaptar ao mundo novo, longe da floresta, e assombrado pelos fantasmas da sua vida antes de também ter sido sequestrado e se transformado em fada. Ele quer descobrir quem era, tentando ser alguém que já não existe. Relembrando talentos da vida passada sem parecer suspeito. Sua vida correndo até chegar à idade adulta e partir em uma jornada de descobrimentos. Quem eu era? E o quase abandono do quem se transformou.
A narrativa aborda de forma brilhante os medos e angústias que a sociedade individualizante, que aliena o ser, gera nos sujeitos. Ao ler sobre essas duas vidas que se cruzaram por um breve momento e trocaram de lugar, no deparamos com desejos, medos, sentimentos, intrínsecos do humano. Existe uma identificação com a veracidade dos personagens, e ao mesmo tempo estamos em um mundo fantástico, delicado e avançando na complexidade da busca pelo passado, por uma história própria que delegue sentido para suas vidas. A narrativa explora a transição de ambos: da infância para a vida adulta, a busca por uma identidade própria, mesmo na situação de serem crianças roubadas.
Uma trama bem construída e consistente capaz de provocar emoções intensas. Durante vários trechos lágrimas brotaram e escorreram pelo meu rosto. Algumas citações foram marcadas para utilizar no futuro e outras passagens me trouxeram as sensações da infância. Enfim, um livro completo que eu recomendo de coração.