fabio.ribas.7 30/12/2022
O universo ao lado
Seguindo a sequência de estudos sobre cosmovisão (deixarei a lista no fim deste texto), Sire abre seu livro com o poema a seguir:
But often, in the world?s most crowded streets, / But often, in the din of strife, / There rises an unspeakable desire / After the knowledge of our buried life: / A thirst to spend our fire and restless force / In tracking out our true, original course; /A longing to inquire / Into the mystery of this heart which beats / So wild, so deep in us ? to know / Whence our lives come and where they go.
Com frequência, porém, nas mais movimentadas ruas do mundo,
Com frequência, porém, no fragor da luta,
Surge um desejo inefável
Vindo da consciência da nossa vida enterrada:
Uma sede de consumir nosso fogo e nossa indomável força
No encalço do nosso verdadeiro curso original;
Um anseio de adentrar o mistério desse coração que bate
Tão selvagem, tão profundo em nós ? de saber
De onde veio nossa vida e para onde ela vai.
Matthew Arnold, ?The Buried Life? [A vida enterrada]
No capítulo dois, o autor vai tratar do teísmo cristão e, sendo uma cosmovisão, procurará apresentar o que ele responde nas seguintes áreas: a natureza e o caráter de Deus ou da realidade última, a natureza do universo, a natureza da humanidade, o que acontece a uma pessoa quando ela morre, a base do conhecimento humano, a base da ética e o significado da história. Sire vai desenvolver aquela linha que eu gostei muito de mostrar que as demais cosmovisões são deteriorizações do teísmo. Muito bom!
Ainda assim, em alguns aspectos, mais uma vez, tive problema com algumas frases de Sire. Desta vez, foi ainda mais complicado do que no livro ?Dando nome ao elefante?. O livro não é sobre teologia, mas sobre cosmovisão. Todavia, ao lermos sobre ?cosmovisão cristã?, sabemos que estamos diante de uma cosmovisão que parti da Pessoa de Deus, do Deus revelado. Assim, ?quem é Deus?? está sempre martelando na nossa mente durante a leitura. Compreender que o sistema não pode ser fechado, por causa de um Deus que intervém não é o problema. O nosso Deus intervém e reordena o mundo, mas? Mas, acredito eu, segundo o Seu plano, o Seu propósito. Logo, prefiro a palavra ?decreto? à ?ordenação? (colocar em ordem, organizar?). O problema é quando Sire fala da ordenação de Deus envolvida com a ordenação do homem. Os parágrafos ficaram muito estranhos para mim.
Mas o que Sire quer dizer com ?o sistema não está programado?? A dificuldade é cair no ?acaso?, na ?impessoalidade do big bang? ou ?no destino cego?? O problema é sermos acusados de fatalismo? Ora, não somos fatalistas, porque o nosso universo foi decretado, não somente os fins, mas também os meios. Ele parece precisar da ideia de ?universo aberto? para que Deus intervenha, porque o conceito de ?fechado? dá a entender que Deus não poderia interferir. Estou entendendo. O problema é quando isso é aplicado ao ser humano, lado a lado com Deus: o ser humano pode reordenar o mundo e Deus também? Pense nisso na prática. Elçe afirma que o universo não é determinado, porque o determinismo pressupõe uma força impessoal, mas o nosso universo não só foi ordenado, como também determinado e decretado por um Deus pessoal. A alternativa que Sire faz é para salvar mais a ordenação humana do que a divina. Para quê? Para não sermos acusados de deterministas? Fatalistas? Robôs?
A questão é que um texto deste tratando sobre o ?universo aberto? corre o risco de ficar aberto demais e o leitor acabar tendo que completar com informações que ele ? o leitor ? enfiará ali. E não adianta citar Francis Schaeffer, porque não sabemos o que Schaeffer realmente queria dizer com essa expressão. Sire escreve um livro mandando eu ler outro livro, para entender o conceito que ele está usando. Isso não funciona. E piorou citar CS Lewis, que é outro com a cabeça muito, exageradamente, aberta demais para confiar que ele teria uma leitura mais calvinista sobre este ponto. O universo foi ordenado, tranquilo. Seguindo a ideia dele, ?ordenado? significa que há relação entre causa e efeito, isto é, ordem. Mas dizer que o universo não foi determinado, independente dos que nos acusam de determinismo filosófico, não passa por cima de um Deus que decretou não apenas os fins, mas também os meios? O universo não foi determinado, mas foi decretado, tanto os fins quanto os meios. A linguagem dele para fugir do que eu estou dizendo coloca Deus relacionando as decisões dEle com as de cada ser humano de uma maneira muito estranha.
No capítulo do Deísmo, o autor trabalha as características e detalhes do deísmo e suas respostas, enquanto cosmovisão. Mostra suas inconsistências e sua característica principal: um Deus despersonalizando-se cada vez mais e sendo substituído pelo crivo da razão. Mas, enquanto lia, eu seu que houve duas forças ali, que o autor não cita, embora eu saiba que estavam ali: a maçonaria e o budismo. A primeira como visão religiosa e política. A segunda, como versão europeizada para se encaixar no espaço aberto de um deus embotado.
Teísmo, deísmo? Naturalismo. Era a bancarrota ?natural?. Sem trocadilho rsrs
Uma vez que se nega a existência de uma inteligência pessoal, criadora e interventora, você pode se desprender para um ser que exista, mas não intervenha; que tenha dado o pontapé inicial, mas que não interaja. Disso para o naturalismo é um passo. E o passo seguinte ao naturalismo? Ora, se nada existe e intervém, se o ser humano é um mero acidente sem objetivo e propósito, um mero intervalo entre dois nadas; se a história é um mero evento dialético; evidentemente, que esse único ser no universo consciente de sua solidão cósmica iria, por fim, lançar-se ao niilismo.
No quinto capítulo, o autor irá falar sobre o niilismo. Sem sombra de dúvida o mais instigante capítulo. O niilismo é filho do naturalismo. Muito bom! É o absurdo da vida sem Deus! É o desespero, a angústia e o delírio de uma vida andando pela terra na crença de que Deus está morto.
O existencialismo se coloca como resposta ao niilismo, no sentido de ser uma proposta de como viver num mundo absurdo. Há duas linhas: o existencialismo teísta e o ateísta. Este tem como representantes Sartre e Camus; aquele, Kierkagaard e Barth.
Algumas das indagações que surgiram na minha mente foram satisfeitas nestes dois últimos capítulos lidos ? o do niilismo e do existencialismo. Ele confirmou as saídas que eu tinha pensado para as indagações que me surgiram. As duas saídas que, no fim, Sire propõe são perfeitas: Deus e paradoxos! Além disso, o calvinismo sai destes dois capítulos como a melhor resposta ao niilismo e ao existencialismo. Ainda outra questão: Camus já vinha mudando de postura em relação a Sartre há mais tempo e o livro ?O homem revoltado? é um marco nessa guinada, mas Sire não o cita.
Agora, vemos o hinduísmo e o budismo em suas milhares de vertentes. Diante disso, o autor escolhe tratar profundamente sobre monismo panteísta oriental. Interessante ele escolher o livro de Herman Hess, Sidarta, que tanto influenciou o Ocidente na década de 1970. Estamos diante mais de um método, uma espiritualidade do que uma cosmovisão. No fim, seremos levados ao Vazio. A ética, a boa ação, é válida no sentido que promove meu autocrescimento rumo ao Vazio. Não há a noção do amor ágape, sacrificial pelo outro.
A Nova Era, conforme traz o autor, eu entendo que é uma resposta desesperada do Ocidente frustrado com o monismo Oriental. Se no monismo, no fim das contas, vamos para o Vazio e não há como negar que isso é muito frustrante para a maior parte das pessoas do Ocidente, então, pega ?o melhor? do Oriente e junta com o nosso ego ocidental e o que surge? Shirley MacLaine gritando na praia: ?Eu sou deus! Eu sou deus!?
A cosmovisão pós-moderna é um tiro no pé. Negando a Deus, como o naturalismo e não resolvendo às questões do niilismo, transformam tudo em metanarrativa sem perceber que isso que defendem é também uma metanarrativa. Tudo é interpretação, tudo é uma narrativa, tudo que é dito é dito por quem detém uma posição de poder e, por isso mesmo, deve ser lido com suspeita. O texto não diz mais o que o autor quer dizer, mas o que o leitor quis que o texto dissesse. A ciência, a sociologia, a política, tudo são narrativas de poder. No fim, Nietzsche, Foucault, Derrida e tantos outros se colocaram como consciências acima das narrativas que eles denunciavam, mas denunciaram com suas narrativas. Mas como crer e confiar nelas? O pós-modernismo é vítima de si mesmo. Enfim, da maneira como Sire organiza a apresentação das cosmovisões (uma linha contínua), destaca-se o óbvio: é ladeira a baixo que estamos indo! Logo, o descontrole do Sire (p. 256 do Kindle) já deixando claro a sua posição quase exasperada: eu não posso ser pós-milenista! rsrsrsrs