Janaina Vieira - Escritora 14/05/2011Qualquer tipo de escravidão é terrível.Este livro me fez chorar mais de uma vez. E a pergunta básica que me faço após terminar a leitura é tão antiga quanto as absurdas ações humanas, desde que o homem dominou o planeta: com que direito um povo simplesmente eacraviza outro? Com que direito arranca-se milhões de pessoas de sua terra natal, separa-se famílias inteiras, atea-se fogo às suas casas, obriga-se essas pessoas a atravessar o oceano para, em um lugar que nunca viram, tornarem-se escravos de outros seres, tão humanos quanto eles? E com que direito um homem mutila outros, esmaga-os, espanca-os a ponto de todas as suas ações covardes se tornarem parte integrante de sua "civilizada" cultura?
A escravidão oficial já terminou há muito tempo, mas quanta escravidão disfarçada ainda existe espalhada pelos quatro cantos do planeta! Por isso, livros como esse têm de existir: para que as crueldades cometidas jamais sejam esquecidas. E não mais repetidas. Jamais.
Por meio de sua heroína, Zarité, a autora conta boa parte do que foi a colonização do Haiti - diante da qual, a colonização no Brasil foi quase um jardim de infância! Quanta maldade, quantos abusos, quanta violência desnecessária... Por causa da economia, do plantio da cana, por causa do dinheiro e do poder - como sempre. Ah, o homo sapiens é muito cansativo... Custa tanto a aprender, a crescer, a evoluir... E, ainda assim, Zarité nunca se corrompeu, nunca deixou de dar seu colo a quem precisasse. Sua vida não foi das piores, se comparada às condições em que viviam os escravos sob a colonização francesa, mas foi uma vida de sofrimentos, de submissão, de migalhas, de renúncias, de tudo que é "pouco", porque negro não era gente, na concepção da época. E talvez na concepção de hoje, não sei... Na superfície, os preconceitos desapareceram, mas em profundindade ainda existem, estão todos vivos. Infelizmente.
O Haiti é uma terra repleta de sangue derramado em suas origens. Porque em determinado momento havia 500 mil escravos de um lado e um punhadinho de brancos arrogantes do outro, que tornavam suas vidas um verdadeiro tormento há muito tempo. O que aconteceu? O óbvio: os oprimidos acordaram com sede de liberdade. O jugo tornou-se insuportável, abusivo demais. Daí em diante, abriram-se as comportas do ódio represado (de ambas as partes), da luta, do sangue e da morte. Quanta destruição, quantas perdas irreparáveis, traições, delações, castigos, vingança... Tudo que o homem tem de pior veio à tona.
Enfim, é um livro surpreendente, que emociona, envolve e faz pensar. E causa vergonha também. Vergonha do passado, vergonha de fazer parte de uma espécie capaz de tantas atrocidades contra si mesma por causa de algo tão passageiro, instável e ilusório quanto poder e dinheiro.
O que consola Zarité nos raros momentos de paz que ela consegue ter é a dança. Quando dança, Teté esquece de sua realidade absurda e alimenta a esperança de voltar para a Guiné, de onde seus ancestrais foram arrancados à força. Teté dança e o leitor dança com ela, desejando que ela seja finalmente livre. Ela pensa na liberdade e acredita nas palavras de seu avô, Honoré: "Dance, dance, Zarité, porque escravo que dança é livre... enquanto dança."