tha_rbrandao 16/09/2024
"Lembre-se que sou sua criatura.
Deveria ser ser Adão, mas, em vez disso, sou um anjo caído a quem afastou da alegria sem, no entanto, ter cometido nenhuma falta. Em todo lugar vejo a felicidade que somente a mim é irrevogavelmente negada. Fui benevolente e bom; a infelicidade transformou-me em um demônio. Faça-me feliz e serei virtuoso novamente."
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Lançado ao mundo sem qualquer propósito além de suprir o ego de seu criador, desprezado por este e abandonado assim que a centelha de vida faiscou em seu corpo frio, poderia haver criatura mais triste e solitária?
O monstro de Mary Shelley, diferente da figura grotesca eternizada pelo cinema, não é uma aberração irracional nem ostenta parafusos cravados no pescoço. Pelo contrário, trata-se de um ser de inteligência aguçada, sensível e honrado, mas que, aprisionado em uma forma aterradora, vê-se marginalizado. Sua exclusão o conduz a um estado de fúria incontrolável, direcionada tanto ao mundo quanto a si mesmo. E que tragédia maior haveria do que tamanha crueldade envolvendo uma alma de natureza essencialmente pacífica?
Mary Shelley, apesar de sua juventude, foi capaz de criar um romance literariamente simples, mas com raízes profundas e repleto de camadas. Seus personagens são multifacetados, e as interpretações possíveis da obra são vastas, como o paralelo entre o experimento de Frankenstein e a criação do homem, que, ao ser renegado por Deus, é lançado ao mundo e privado do Paraíso, afundando-se em caos e tragédia. Há também a reflexão sobre a ambição científica e os dilemas morais envolvidos, uma crítica ainda muito debatida e atual. Seja qual for a abordagem, este é um livro de essência filosófica, que suscita questionamentos fundamentais sobre a existência humana.
Como grande admiradora do romantismo, especialmente do subgênero gótico, não senti em nenhum momento que a narrativa se arrastava. Pelo contrário, foi uma leitura intensa, que frequentemente me deixava com o coração apertado, seja pelo horror ou pela piedade despertada.
Antes mesmo de ler, já me fascinava a vida sombria e escandalosa da autora, especialmente o contexto que levou à concepção de sua criatura renascida. Agora, ao terminar o livro, minha admiração por Mary Shelley só cresceu. Frankenstein é uma obra riquíssima que, quanto mais reflito sobre ela, mais me impressiona. Não à toa é o clássico que é.