Laércio Becker 30/01/2021
A melhor de Todas
Em comparação com "Todos os contos" (2016) e "Todas as crônicas" (2018), "Todas as cartas" (2020) é, sem dúvida, a melhor da série "Todas".
Sua maior vantagem é a presença das notas de rodapé elaboradas por Teresa Montero, especialista na autora. Elas fazem falta em "Todos os contos" e "Todas as crônicas", sobretudo para informar as publicações originais e republicações de cada texto (o que, talvez, teria evitado alguns dos erros cometidos naquelas edições). "Todas as crônicas" ainda ousou dizer, em posfácio, que não inseriu notas porque, em tempos digitais, elas são supérfluas, a ponto de prever sua extinção, exceto pelas notas escritas pelo próprio autor (p. 679).
Ainda bem que a editora mudou de ideia em "Todas as cartas". As notas permitem contextualizar as cartas. E ajudam a entender muitas das referências que só poderiam ser compreendidas pelo destinatário, pelas pessoas mais próximas ou por quem viveu naquele período. P.ex., em carta de 1946, ela pergunta a Fernando Sabino "se os movimentos simulados estão crescendo". A nota esclarece que ela se refere ao romance "Os movimentos simulados", que só veio a ser publicado em 2004 (p. 255).
Assim como as cartas lançam novas luzes na biografia e na bibliografia da autora (ao revelar uma Clarice na intimidade do quotidiano, despida das preocupações de estilo e de propósito literário), as notas também iluminam as cartas com detalhes de sua vida. P.ex., quando numa correspondência ela cita as "Cartas" de Katherine Mansfield, a nota fala sobre o impacto de outro livro dessa autora nas leituras de Clarice (p. 104-5).
Além disso, como o volume é composto apenas pela correspondência ativa, as notas às vezes são imprescindíveis para entendermos algumas referências de sua resposta. P.ex., em carta a Lúcio Cardoso, ela diz "ainda não li seu livro". Sem a nota que informa ser a novela "Inácio" (p. 146), seria impossível adivinhar; só pesquisando a cronologia bibliográfica de Lúcio Cardoso - ou se o volume também incluísse a correspondência passiva, fugindo ao propósito de publicar as cartas de Clarice, não para Clarice.
Outra grande vantagem de "Todas as cartas" é ter um índice onomástico, em que podemos localizar pessoas, obras, locais e órgãos citados nas correspondências e nas notas. (Teria sido de grande valor em "Todas as crônicas".)
Em resumo, esta é a melhor de "Todas". No aniversário de cem anos de Clarice, os presenteados foram seus leitores.