spoiler visualizarAmanda 27/12/2023
Primeira obra da Teresa Cárdenas que leio - brilhante!
Meia hora de leitura que possui o mesmo efeito de horas tendo seu coração estraçalhado, recuperado, emendado e curado.
Selecionei o livro imaginando apenas que me emocionaria com a proposta: cartas direcionadas a mãe, talvez se tratando de alguém que já havia falecido ou apenas confissões de uma menina sobre a sua relação materna. Recebi (felizmente) muito mais que isso. Achei de um toque fenomenal a opção de ter a mãe como destinatária das cartas, em relação aos outros núcleos existentes - não apenas permite a perscrutação de uma honestidade afetuosa, como também acabamos por conhecer essa personagem, que não está fisicamente presente no livro, para além de ser apenas a ?mãe?. Tale as old as time: para uma filha, perceber sua mãe como pessoa (e portanto, como criança, menina, adolescente, mulher etc) é sentimento precursor de um amor muito mais profundo. E nesse livro, podemos fazer isso juntamente da protagonista, que, ainda criança, também está enfrentando a sua percepção como pessoa no mundo após a morte de sua mãe.
Uma obra belíssima. Perpassando pelo luto da protagonista, uma criança de apenas 10 anos, conhecemos o cotidiano de sua vida após a perda da mãe, tendo que enfrentar o racismo internalizado de seus próprios familiares e as consequências doloridas de ações que não são suas.
Cada capítulo (ou carta) tem no máximo uma página (acredito que apenas dois se excedam) e é brilhante a forma como a autora consegue carregar em tão pouco texto uma carga emocional, espiritual, social, racial, com discussões sobre classe e gênero, de forma tão bem construída, pelo olhar e ingenuidade de uma criança.
Ela percebe seus arredores na introspecção em que foi forçada a viver - apresenta discussões sobre divisão racial do trabalho, prostituição, abuso sexual, entre outros, de maneira tão crua que não há o que se fazer além de chorar em todas as cartas apresentadas. Além disso, também traz epifanias sobre auto-amor, perdão e espiritualidade, utilizando-se de imagens etéreas de sua mãe que, apesar de também induzirem lágrimas, completam o livro de tal maneira que assistimos, às vezes sem perceber, nossa protagonista crescer e processar seu luto juntamente de seu desenvolvimento pessoal.
A obra termina também lindamente. Uma das melhores que li no ano e talvez em minha vida. Leitura rápida e impactante.