Aione 13/02/2023Quanta coisa pode estar logo ali se tornou meu livro favorito de Lola Salgado. Publicado em 2020 pela editora HarperCollins Brasil, aborda a transição da adolescência para a vida adulta com leveza, sensibilidade e a maestria de quem se comunica muito bem com essa complexa fase da vida.
Olívia perdeu o controle após ter sido atropelada por tantas mudanças. Reprovada no vestibular para o curso que sua mãe gostaria que ela prestasse, percebe que não tem ideia do que gostaria de fazer no próximo ano — só sabe que a ideia do cursinho pré-vestibular é sufocante, assim como é péssimo que sua mãe não mais a apoie com a única coisa que a deixa feliz: escrever fanfics da sua banda favorita. Então, quando os Broken Boys anunciam que irão se separar, Olívia entra em crise e decide passar um tempo na capital com seu pai, ausente em todo seu crescimento e que tentava contato com ela há alguns anos, sem sucesso.
Em primeira pessoa pela perspectiva de Olívia, Lola Salgado narra as angústias da adolescência como ninguém, construindo a protagonista com todas as nuances típicas dessa fase. A escrita é leve e bem-humorada, mas também sensível, captando os tantos confusos questionamentos de Olívia.
Quanta coisa pode estar logo ali é sobretudo sobre amadurecer, de maneira que Olívia passa boa parte do livro tendo explosões e variações de humor por não saber lidar com suas conflituosas emoções. Se para muitos leitores ela é vista como irritante, eu só tinha vontade de abraçá-la e dizer que ficaria tudo bem. A personagem é como deveria ser, reagindo de maneira coerente às suas limitações; afinal, ela está em processo de amadurecimento. Para além disso, Lola Salgado explora questões de identidade, inclusive racial — Olívia é negra e só vai ter mais consciência sobre suas origens ao conviver com o pai, já que a família da mãe é branca — e aborda as complexidades do ser-humano. Nenhum personagem está imune a errar, e parte de suas descobertas têm a ver com a compreensão de que erros e acertos estão para além da índole, sujeitos também ao momento de vida de cada pessoa. Aliás, gostei muito de como a autora explorou as diferentes relações que aparecem no enredo, especialmente pela que Olívia estabelece com o pai. Embora em momento algum haja uma diminuição da responsabilidade por ele ter se ausentado da vida da filha, Lola Salgado também consegue criar um recomeço, uma segunda chance. E o romance, óbvio, deixa tudo ainda melhor. Há poucos capítulos narrados pela perspectiva de Ravi, mas o suficiente para o personagem ser encantador. Ele é também responsável pelo retrato da complexidade que existe em cada um, e do quanto a visão de alguém sobre o outro pode também limitá-lo.
A arte tem um papel fundamental na história, e foi responsável por alguns dos momentos mais emocionantes da leitura. Olívia e o pai têm uma bonita conexão com a música, além da protagonista também se expressar através da escrita — seja em suas fanfics, seja em seu all-star que ela usa de diário. Esse detalhe, inclusive, foi um dos pontos altos da leitura; foram diversas as passagens que me emocionei com a tentativa de Olívia de verbalizar no tênis as suas experiências. O destaque para as fanfics é outro ponto positivo, sobretudo por mostrar o poder que as histórias têm sobre nós.
Quanta coisa pode estar logo ali me tirou sorrisos e lágrimas. Essa fase da minha vida foi muito marcante, de maneira que o romance de Lola Salgado teria sido a leitura ideal quando eu tinha aquela idade, aliviando tantas das angústias que eu também carreguei. Me emocionei ao retornar àquela época, da mesma maneira que tirei reflexões para a Aione de hoje, com quase o dobro da idade da Olívia. Foi uma leitura extremamente envolvente, daquelas que me senti próxima dos personagens como se fossem reais, e deliciosa, que não consegui parar. Sem dúvida, será um dos favoritos do ano.
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