Regis 08/02/2024
Histórias curtas que proporcionaram uma maravilhosa leitura
Esse foi mais um livro de King que me surpreendeu positivamente e que trouxe duas das melhores histórias do autor, em minha opinião, (Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank e O Corpo). Não são histórias de terror, mas narrativas profundas que causaram certa inquietação devido aos temas abordados (a injustiça, a esperança inabalável, o nível elevado da maldade humana, a amizade verdadeira, saudades da infância, abusos de familiares, medos íntimos e mistérios insondáveis).
As quatro histórias que fazem parte do livro Quatro Estações me surpreenderam positivamente e me fizeram companhia nesse começo de ano atribulado, que espero que melhore a partir de agora, e me despertaram emoções profundas me levando às lágrimas em alguns momentos, me causando revolta em outros e aguçando minha curiosidade por mais no final. Em resumo: esse foi um livro que me fez admirar ainda mais as histórias e a escrita desse grande autor contemporâneo que é Stephen King.
Recomendo para todos esse livro primoroso que eu amei ler.
Minha opinião sobre cada história:
Primeira novela, Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank ?????
Injustiça, esperança e uma fuga extraordinária
A novela tem uma narrativa calma, um desenvolvimento lento e uma apresentação de personagens primorosa. Acho que esse é o grande dom de Stephen King, e eu sei que nem todos os escritores têm tamanho exito em executar o feito de tornar os personagens tão, detalhadamente, vivos que eles parecem sair das páginas e se materializar diante de nossos olhos.
A forma como Red se apresenta rapidamente no começo da história (pois é ele quem narra a novela), mas ao longo de sua narrativa vai nos deixando entrever partes mais profundas de si mesmo, desvendando sua psique aos poucos é um siblime desenvolvimento de personagem.
As cenas dos estupros cometidos pelas "Irmãs" são bem desconcertantes para mim, mesmo que essa parte tenha sido escrita em uma narrativa simples e direta me causou um grande impacto por eu ainda recordar vividamente da cena do filme (que assisti escondida do meu pai na madrugada de um sábado qualquer da minha pré-adolescência), sempre fico impactada pela brutalidade e crueldade desse ato hediondo e animalesco.
Quanto aos personagens é estranhamente impossível não gostar de Red e Andy, Andy é inocente, então gostar dele é "moralmente" aceitável, mas no caso de Red: mesmo sabendo dos motivos que o levaram a prisão é quase impraticável não sentir empatia por ele tanto quanto sentimos pelo Andy no final da história.
O livro me causou a mesma angústia esmagadora que o filme, as mudanças feitas na adaptação são pouquíssimas. A parte em que King descreve o diretor Samuel Norton com toda sua maldade e corrupção mal disfarçada na embalagem do cidadão de bem, que costuma vomitar versículos da Bíblia para camuflar a podridão de sua alma, reviraram meu estômago.
Essa é uma novela que eu adoraria que fosse um dos calhamaços do autor, pois foi maravilhoso passar algum tempo presa em Shawshank descortinando a vida regrada, comedida e brutal por trás dos muros altos e das paredes de três metros de diâmetro dessa prisão de segurança máxima no Maine. A luta, a dedicação e perseverança de Andy são uma inspiração para qualquer pessoa que já foi injustiçada e quanto a Red... ele pagou por seus crimes e foi reabilitado com o passar dos anos.
Essa é uma história sobre injustiça, esperança e uma fuga extraordinária, é uma história que mostra o que acontece depois que as portas da prisão são trancadas para um inocente e o que a vida lá dentro lhe reserva restando para ele apenas sonhar com sua liberdade.
Recomendo para todos essa história maravilhosa!
Obs:. Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank é um nome pouco atrativo para uma história tão boa, acho que Um Sonho de Liberdade (nome dado à adaptação cinematográfica no Brasil) é imensamente melhor.
Segunda novela, Aluno Inteligente ????
Um misto de emoções incômodas e contraditórias
A história se passa no ano de 1974 em plena Guerra Fria, enquanto os EUA ainda lutava a Guerra do Vietnã.
Todd de 13 anos, que deseja ser detetive particular quando crescer, descobre um velho nazista (Kurt Dussander, O "Demônio Sanguinário" de Patin! O "Especialista em Eficiência" de Himmler!) se escondendo na cidade onde mora e decide confrontá-lo.
Ao menos é o que parece no primeiro momento, mas assim que o garoto se encontra frente a frente com o nazista, um idoso de 76 anos, seu interesse pelos detalhes macabros dos experimentos, das torturas, dos estupros, da fome e das execuções nas câmaras de gás parece ser a prioridade e vemos a história tomar um novo rumo e Todd mudar diante de nossos olhos enquanto sorri com prazer ao ouvir, de Dussander, a narrativa detalhada de todas as atrocidades que cometeu em Patin, o campo de concentração que comandava.
Essa é uma história que me causou certa aversão pelo tema, que traz a tona o sofrimento dos Campos de Concentração, pois somos obrigados a ver Dussander narrar a maldade humana em seu ponto mais alto. E Todd... Todd é uma incógnita no começo da história, por algum tempo fiquei imaginando se ele estava feliz por torturar um nazista ou se a narrativa das atrocidades lhe causava prazer.
Essa é a novela mais longa do livro e ela causa um desconforto e um misto de emoções contraditórias. Ao mesmo tempo que vemos um nazista ser torturado, o que parece justo, sentimos (apenas no início) leve desconforto pelo que está sendo feito a um senhor idoso. É de revirar o estômago se pegar sentindo certa "compaixão", mesmo que mínima, por alguém que não merece.
Mas no fundo: tanto o velho quanto o garoto eram repugnantes e em alguns momentos, ambos se completavam.
Esses personagens são os piores dos piores, mas é muito interessante acompanhar e ver onde toda essa loucura vai chegar.
A construção de Todd segue um caminho tortuoso que leva a concepção de um monstro horrendo e maléfico que infelizmente eu já vi semelhantes em narrativas de True Crime. Ele, na verdade, me assusta bem mais que o velho nazista.
Como sempre King arrasa nas histórias curtas e consegue mexer com o leitor de forma visceral.
Obs:. É muito interessante que Dussander tenha comprado ações com um banqueiro do Maine chamado Andy Dufresne que foi preso por matar sua mulher.
Gosto quando King cita personagens de outras histórias entrelaçando suas narrativas.
Terceira novela, O Corpo ?????
Tocante e sombrio
A novela "O Corpo" narra um episódio real da infância do próprio Stephen King tornando-se uma das histórias mais pessoal do autor. Ele exalta a importância da amizade com essa tocante lição de vida e divide conosco uma parte importante de sua própria história.
A narrativa se passa no verão de 1960 na cidade fictícia de Castle Rock, no Maine. Gordon Lachance, Chris Chambers, Teddy Duchamp e Vern Tessio são garotos de 12 anos que querem encontrar o corpo de Ray Brower, um menino que havia desaparecido ao sair para colher uvas-do-monte, imaginando a oportunidade de tornarem-se heróis pelo feito, mas durante o trajeto, ao longo dos trilhos da ferrovia, eles acabam em uma jornada de auto-descoberta onde os problemas com seus pais e irmãos abusivos, seus maiores medos e mágoas vão sendo expostos em momentos emocionantes tornando essa, uma jornada da qual nenhum deles retornará sendo o mesmo do momento em que partiu.
A novela vai construindo aos poucos uma emoção profunda e sombria através da história de vida desses quatro garotos, suas relações familiares e momentos de amizade verdadeira que é quase impossível não se sentir tocada, sentir vontade de abraçá-los e garantir que um dia seus problemas lhes pareceram menores. Mas no fundo sabemos que são essas coisas que acontecem na infância que nos marcam, profundamente, para a vida toda. Imagino que seja por isso que a adaptação dessa novela seja tão amada e atemporal, todos nós conseguimos nos identificar com esses quatro garotos e imergir nessa aventura "macabra" e compartilhar de suas verdades interiores que vão surgindo ao longo do percurso.
É Gordon, já adulto, que narra a novela e a escrita de King continua primorosamente imersiva e emocionante, os personagens são tão reais, palpáveis e marcantes que será impossível tirá-los da memória.
Gordon repetindo várias vezes que deveria ter sido ele a morrer ao invés de Danny (seu irmão mais velho) é tão pesado e tocante que é impossível não se sentir indignado com os seus pais por lhe causarem esse terrível sentimento de não merecer estar vivo.
Chris, um garoto tão inteligente, sendo sistematicamente espancado por seu pai alcoólatra e abusivo enquanto seu tormento é conhecido e ignorado por todos os adultos a sua volta (mãe, vizinhos, o diretor da escola e os professores) e mesmo assim conseguir ser o garoto sensato, amigo, meigo e atencioso que ele é: suas falas me fizeram verter lágrimas em alguns momentos.
Teddy, com tanta lealdade e amor por seu pai, um veterano de guerra perturbado, que lhe causou tantos danos físicos e mentais: é tão triste que me deixou sem reação.
Vern, o mais infantil de todos, ainda com seus medos da infância arraigados em sua mente e sofrendo com os abusos de seu irmão Billy: também conseguiu me tocar bastante.
A história também tem um clima sombrio que permea a vida dos garotos em uma cidade pequena onde fica difícil visualizar um bom futuro para crianças vindas de lares disfuncionais e com traumas muito profundos para tão pouca idade.
Stephen King conseguiu escrever uma uma história atemporal sobre amizade, lealdade, inocência e amadurecimento que consegue causar no leitor saudades de sua própria infância, nos fazendo parar para pensar no porquê de ansiarmos tanto crescer quando éramos crianças e nos fazendo lembrar dos eternos amigos de infância que marcaram nossas vidas, terminando com um clima de extrema nostalgia e a certeza de que foi inevitável crescer.
Eu amei essa novela e sou apaixonada pela adaptação cinematográfica que sempre me emociona quando reassisto, de tempos em tempos. Recomendo para todos essa leitura maravilhosa.
Obs:. Quase vomitei durante o concurso de tortas enquanto Gordon narrava tudo que saia do estômagos das pessoas na fatídica sessão de vômito coletivo induzido por David Hogan (Rabo Grande). Foi muito nojento.
Quarta Novela, O Método Respiratório ?????
Curioso e mistérioso
Em uma noite de vento e neve intermitentes na cidade de Nova York, um homem de 73 anos (David Adley) sai de seu apartamento e pega um táxi em direção a um Clube "de leitura" na Rua 35 Leste no n° 249B onde encontraria outros doze membros para ouvir uma história narrada por um deles.
O conto da véspera de Natal é sempre um conto sobrenatural, o desse ano será contado por Emlyn McCarron, um médico obstetra, a história narrada por ele fala sobre uma mulher determinada a dar à luz ao seu filho de qualquer jeito e se chama, O Método Respiratório.
A novela é narrada pelo advogado de 73 anos, David Adley e, como sempre, a apresentação de personagens de King é sublime, mesmo sem conhecer todos os membros do clube, as apresentações nos insere completamente na história desses homens distintos e desse Clube misterioso e assustadoramente sobrenatural, o qual eu acho que é o verdadeiro assunto dessa novela, ao final do livro fiquei com vontade de saber mais sobre a história desse insólito Clube que despertou minha curiosidade para além da história contada na véspera de Natal.
Com certeza essa é uma novela curiosa que causa arrepios no ápice da narrativa e que te deixa com a pulga atrás da orelha com relação aos mistérios não revelados.
Recomendo para todos essa leitura.