Rafael 19/08/2021
?Leiam Lélia Gonzalez?
Flavia Rios e Márcia Lima fizeram um primoroso trabalho ao reunirem, em uma única obra, diversos ensaios, intervenções e diálogos realizados por Lélia Gonzalez, uma das intelectuais negras mais expressivas do Brasil, no século XX.
Como professora, umas das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU) e integrante do Coletivo de Mulheres Negras Nzinga, Lélia enfrentou temas muito caros à população negra, sobretudo na década de 80, com contribuições que se fazem ainda fortemente sentir, hoje, nas esferas acadêmica e política.
Dos seus escritos se extraem denúncias ao racismo e seus desdobramentos concretos no país, nas formas de discriminação geográfica ou espacial; discriminação cultural; falta de dados quantitativos que permitam melhor informação a respeito da população negra; e discriminação ocupacional, dentre outras.
Os efeitos acima são ainda mais devastadores para as mulheres pretas e pobres. A tríplice discriminação (raça, classe e sexo) imposta a estas, também analisada por Lélia a partir da expressão popular "branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar", constitui uma das razões para cada vez mais se falar em feminismo afro-ladino-americano (a amefricanidade proporciona ao negro uma consciência efetiva de si enquanto descendente de africano, de seu histórico de adaptação e resistência, e promove um entendimento mais profundo dessa parte do mundo onde ela se manifesta: a América como um todo - Sul, Central, Norte e Insular).
Outro termo bastante difundido por Lélia, em suas obras, é o "pretuguês" (português africanizado). Sua constante prática entre nós, hoje, decorre da resistência passiva (mas ativa quanto à sua eficácia) exercida pela "mãe-preta", no passado colonial. Enquanto mãe, ela passou para toda criança brasileira as categorias das culturas africanas de que era representante. Internalizamos seus valores, inclusive a língua materna.
Os ensinamentos de Lélia jamais serão esquecidos. Não à toa disse Angela Davis (com a qual faço coro), em visita ao Brasil, certa vez: "Leiam Lélia Gonzalez!".