Ari Phanie 14/03/2022"A história falhou conosco, mas não importa."
Há alguns anos atrás, eu vi o quanto um livro de ficção histórica sobre a comunidade coreana no Japão estava fazendo sucesso lá fora. Eu tinha começado a ler em inglês, então nem me arrisquei. Mas em 2020, ele finalmente foi lançado aqui e eu esperei um pouco para comprar, e depois que comprei deixei ele mofando na minha estante. Não pretendia ler ele esse primeiro semestre, mas vi que a série vai sair esse mês, e isso me deu a motivação necessária para tirar ele da lista dos livros "Quero ler". E foi suficiente apenas um capítulo para eu perceber que seria uma das minhas leituras preferidas.
A história de Pachinko pode ser resumida simplesmente por uma saga épica de uma família coreana vivendo na sociedade japonesa ultra xenófoba. Mas não se baseia só nisso. Esse é um romance que pinta brilhantemente a história e memória de emigrantes e sua resiliência; do poder dos laços familiares; da coragem, luta e perdas de gerações; da jornada de paixão, fé e identidade de pessoas que são excluídas e nunca lembradas.
Essa grandiosa jornada começa em 1910 em Busan, Coréia, onde Hoonie, um jovem com lábio leporino e um pé deformado, se casa com uma jovem muito pobre, Yangjin. O casal vive bem, apesar de todas as dificuldades e logo tem uma filha, Sunja. Poucos anos depois, no entanto, mãe e filha ficam sozinhas no mundo e precisam cuidar elas mesmas da pousada construída pelo pai. E nós acompanhamos a jovem Sunja, uma moça trabalhadora, tímida e calada que um dia é atacada por japoneses no mercado e é salva por um homem mais velho diferente de todos os homens que já tinha conhecido. Hansu é um mistério a ser desvendado, tanto por Sunja quanto pelos leitores. Mas a vibe que é ele emana é “problema”, dá pra sentir desde o começo.
"Quer ver um homem muito mau? Faça com que ele seja mais bem-sucedido do que poderia imaginar. Vai ver quão bom ele será quando puder fazer tudo que quiser."
Quando Sunja engravida, eis que a sensação se confirma. Por causa dessa gravidez fora do casamento, Sunja poderia sofrer uma grande desonra e ficar sujeita a todo tipo de descriminação e julgamento, mas ao ajudar a salvar a vida de um homem, este decide compensá-la se casando com ela e assim salvando-a de um destino cruel. Isak, um pastor de saúde delicado e muito sensível e empático, leva Sunja com ele para Osaka, no Japão. E é aí que a saga tem início.
Eu me apaguei a Sunja desde o início porque ela é pragmática, sóbria e dedicada. Junto com Kyunghee, sua cunhada, ela luta todas as vezes que é necessário e em meio a muita penúria e injustiça, busca o melhor caminho para os filhos e para os seus. Noa e Mozasu crescem sem o pai, mas com todo o cuidado que sua mãe e tios podem oferecer. E nós vemos a batalha dessa pequena e simples família através da guerra, colonização, preconceito, lutando todos os dias para sobreviver.
"Aprenda tudo. Encha sua mente de conhecimento. Esse é o único poder que ninguém pode tirar de você."
Pachinko é um livro de 527 páginas, mas eu tive a sensação de que toda uma vida (muitas, na verdade) foram perfeitamente comprimidas nessas páginas; foi como realmente acompanhar essas pessoas ao longo de 80 anos, por aí , que se tornaram tão próximas que pareciam parte de mim. Essa é o poder da narrativa da Min Jin Lee. Além de apreciar esse sentimento que ela conseguiu despertar em mim, fico feliz de ter conhecido um pouco mais da história. Eu sabia um monte sobre questões da guerra e colonização, mas eu não tinha ideia da xenofobia existente entre povos unidos por tantas semelhanças e proximidades. Era super ingênuo pensar assim, já que eu conheço inúmeros exemplos de povos similares que se desprezam, mas eu pensava. Mesmo se tratando de uma ficção, muito do que a Lee relata são coisas que ela viu ou ouviu, e durante todo o livro essas questões, que levam a outras de pertencimento e identidade, despertam vários sentimentos e reflexões.
"(...) Noa se deu conta de que isto era o que ele mais desejava: ser visto como um ser humano."
Bom, eu não tenho muito mais a falar. Pachinko é a junção de uma excelente história, excelente escrita e personagens marcantes. Acho que nunca vou esquecer Sunja e toda a viagem que foi a vida dela. Foi um dos retratos mais emocionantes e inesquecíveis sobre imigrantes que já li. Se o livro tivesse tido mil páginas, eu ficaria imensamente feliz. Foi doloroso dizer a adeus a essas pessoas e vou pra sempre considerar esse um dos mais importantes livros da minha estante.