Luciano Otaciano 11/03/2022
Esperava mais deste livro, ainda assim não deixa de entreter!
Certamente você já conheceu ou, até mesmo, conviveu com um acumulador compulsivo, uma pessoa que não consegue se desfazer de coisas supostamente inúteis, tais como embalagens de presentes, caixas de papelão, jornais, revistas, agendas e calendários velhos, copos de geleia ou requeijão usados e toda sorte de objetos que, aos poucos, passam a dominar os ambientes da casa. Lúcio, um dos personagens do recém-lançado romance de Natércia Pontes, sofre deste tipo de distúrbio psíquico, mais conhecido como transtorno do colecionamento.
Lúcio convive com as duas filhas jovens, Abigail e Berta, em um apartamento próximo à praia em Fortaleza que se transformou em uma espécie de aterro sanitário, onde todos dividem o espaço com as quinquilharias e os insetos. O romance tem como base uma narrativa forte conduzida em primeira pessoa por Abigail a partir de fragmentos de seu diário; ao escrever ela tenta encontrar algum sentido nos caquinhos formados por paixões, desilusões ou ausências – principalmente a da mãe – essas ausências afetivas e a desordem no seu cotidiano familiar não se encaixam no modelo de vida de uma adolescente de classe média quando comparado com as colegas de escola.
O caos doméstico é tão intenso que chega ao ponto de faltar comida na geladeira, não por uma questão financeira e sim por absoluta falta de senso prático de Lúcio, o que força Abigail e Berta a encontrarem formas alternativas de sobrevivência como bater na porta das vizinhas para pedir ovos ou que Berta passe cada vez mais tempo morando em temporadas na casa de uma amiga. Apesar das dificuldades de convivência e algumas brigas entre as irmãs. Essa relação de amor e ódio entre eles é muito bem construída pela autora ao longo do romance, sobretudo ao utilizar uma personagem-narradora que é pouco confiável devido às crises típicas do amadurecimento.
O apartamento 402, onde convive esta família completamente disfuncional, é uma presença tão forte no romance que – com sua geografia caótica que inclui estalactites de vazamentos do teto mofado e cheiros peculiares como o vapor frio e sulfuroso da geladeira com alimentos estragados – pode ser considerado como mais um personagem na trama. Neste ambiente doentio e claustrofóbico todos precisam vencer as suas próprias dificuldades e seguir com a vida. As descrições sensoriais do livro podem chocar leitores mais suscetíveis como, por exemplo, quando a autora lança mão de um CHEIRO DOCE DE BARATA mas há um contexto justificável pra isso. A narrativa é normalmente pontuada por um tom bem-humorado, típico da adolescência, mesmo que essa postura esteja em alguns momentos bem mais próxima do tragicômico, como fica claro no decorrer do romance. O que me incomodou bastante é que, não há foco na narrativa. Um capítulo sobre a violência sofrida por Abigail antecede em muitos capítulos o momento em que a relação com um gringo mais velho começou. E o problema não é a narrativa não ser linear – até porque diversas outras obras utilizam-se deste recurso de forma primorosa -, mas sim a falta de explicação do tempo, do espaço e das figuras importantes da história.
Entende-se que os três protagonistas vivem em situação precária e caótica, em um apartamento lotado de entulhos guardados através dos anos e com a companhia de incontáveis insetos – e, meu Deus, as baratas são tantas que são quase personagens à parte. Contudo, nada é explicado. O que aconteceu para chegaram àquele ponto – principalmente o papel de Lúcio -, por que as garotas são tão deixadas à própria sorte, onde está a mãe e as outras irmãs. São apenas algumas perguntas não respondidas durante a curta experiência de leitura.
Natércia, por outro lado, consegue laçar o leitor com sua escrita. O texto é bonito de ser lido, mas principalmente de ser falado. Muitas passagens são fortes e carregam um peso emocional que pode assustar e afastar leitores que não estão preparados para encarar as dificuldades banais de um cotidiano triste e comum. Contudo, palavras bonitas e sentimentos expressos de forma crua não são o suficiente para a obra se manter como um romance de formação. Em resumo, OS TAIS CAQUINHOS é uma obra que utiliza técnica eficiente que alterna fluxos de consciência e fragmentos narrativos do diário da personagem, autora nos apresenta um romance de formação diferente e sensível ao escrever sobre um tema sempre importante na literatura: as dores do amadurecimento e as dificuldades das relações humanas, em especial as familiares.
Ansioso para ler mais da autora, mas esperava um pouco mais deste livro em questão.
Espero que tenham curtido a resenha. Até a próxima!