Coruja 23/03/2011Passaram-se mais de quatro meses entre a compra e a chegada desse livro nas minhas mãozinhas. Tal foi a epopéia pela qual o bendito volume passou para chegar até aqui que acabei por dar prioridade a ele na “fila de espera” dos livros que estão na estante.
Tendo chegado ao fim dele, o primeiro comentário que devo fazer é... a espera valeu à pena.
Era uma vez, há muito tempo atrás..., como já se percebe do título, tem um quê de conto de fadas. É uma história incrivelmente delicada... e triste. Encantadoramente triste.
Ok, isso provavelmente soou estranho, então me permitam tentar explicar: este é aquele tipo de livro que faz você sorrir por entre lágrimas... que te deixa de coração apertado e ao mesmo tempo te enche de esperança...
A história é narrada em dois tempos, alternando-se a cada capítulo. Começamos com a Polônia do final da década de 30, quando o país é invadido pelos nazistas – no lance que daria início à 2ª Guerra. Nesse cenário, temos o jovem Pombo, que se apaixona à primeira vista por Anielica, a garota mais bonita das redondezas – beleza suficiente para que em anos vindouros, seu nome ter virado até adjetivo.
Num lance à la Jacó, que serviu como pastor a Labão para conseguir a mão de Raquel, Pombo se oferece ao pai de Anielica para reconstruir a casa da família, totalmente de graça, com a habilidade de suas ‘mãos de ouro’. E enquanto trabalha, aos poucos o rapaz vai entrando no coração de toda a família, incluindo, caro, de Anielica.
O ‘não-namoro’ dos dois é um dos desenvolvimentos românticos mais lindos que já vi, suave e ao mesmo tempo espirituoso, sem nunca cair na pieguice.
Na verdade, todos os personagens do romance são singulares, emocionando e provocando o leitor. A forma como a autora conta a história nos dá a impressão daquelas narrativas que ouvimos na mesa do almoço de domingo em família, em que todos se sentam para compartilhar não apenas a comida, mas também reminiscências – e volta e meia alguém interrompe para acrescentar alguma coisa e todo mundo explode em gargalhadas ou arregala os olhos à espera do resto.
Essa é a melhor forma de caracterizar esse livro: uma história que nos pertence como uma memória familiar; cujos fios se entremearam para criar nossa própria existência.
Claro que essa ‘memória familiar’ da obra de Brigid Pasulka é colorida com as tintas da Polônia, com seus costumes e suas paisagens – como a formação rochosa chamada ‘Napping Knight’:
"The Napping Knight was the optimists’ name for the Sleeping Knight, a rock formation and legend that is believed to wake in times of trouble to help the Polish people. After being thoroughly tuckered out by the Tatars, Ottomans, Turks, Cossacks, Russians, Prussians, and Swedes, however, it hadn’t risen in some time, and would, in the years of Nazi occupation, also come to be known as the Oversleeping Knight, and later, during the Soviets, the Blasted Malingering Knight."
Essa é uma das minhas passagens favoritas do livro, e é um bom exemplo do humor que permeia o livro – mesmo quando as coisas começam a se tornar mais sombrias, quando os nazistas e depois os soviéticos ocupam o país.
A segunda história ou linha narrativa se passa cinqüenta anos depois, na Polônia da década de 90, já desocupada. A narradora é Beata, apelidada de Baba Yaga, neta de Pombo e Anielica. O avô desapareceu anos antes e ninguém sabe se vivo ou morto; os pais morreram e a avó também acaba de falecer, de forma que ela vai para a Cracóvia, onde Pombo e Anielica viveram após se casarem, ao final da guerra.
Beata tenta encontrar seu lugar no mundo e sua própria identidade, guiada em parte pelas histórias que ouviu a vida inteira da avó, e em outra pelos vínculos que forma como as primas, Irena e Magda. Mas como encontrar uma identidade para si mesma numa nãção que ela mesma, não se reconhece, que, como a história da família de Beata, fraturou-se em algum ponto do caminho?
Historicamente, a Polônia foi um país em constante 'transferência'. Sua posição no mapa europeu é estratégica, encravado entre potências do leste e oeste, representando também um importante porto e saída para o mar (motivo pelo qual fazia parte do 'espaço vital' de Hitler). Na verdade, considerando o número de vezes que a Polônia foi invadida e conquistada, é até um espanto perceber que ela possua uma identidade cultural.
Mas ela está lá. Nos detalhes. No encontro de duas gerações, quando uma história interrompida reencontra seu eixo.
Era uma vez, há muito tempo atrás... não é exatamente um livro de finais felizes. Mas é uma história que vale muito à pena, um romance que combina uma história de Amor (com 'A' maiúsculo mesmo) das mais belas e permanentes que já vi, e o esforço de um país em encontrar e entender seu passado.
Recomendadíssimo.