Gabriel 20/03/2024
Quem tem cor pra sentir
O texto introdutório convida o leitor a revisitar uma memória tão recente quanto renegada do período do isolamento social durante a pandemia de Covid-19 que assolou o mundo, mas foi sistematicamente ignorada assim que possível, deixando nas lacunas do seu nome uma série de cicatrizes. A carne exposta da solidão, do medo e da tristeza revelam na epiderme camadas e camadas de marcas que foram se acumulando, se aninhando tudo na mesma pele até serem indistiguíveis.
Há muito que é possível descobrir voltando-se para si mesmo e como resultado direto desta experiência o Volp consegue desenterrar em si e, por conseguinte, no outro, sobre o que se esconde de trás dos olhos, no avesso da carne, o contrário do homem. Toda vestimento masculina é um refinado disfarce que elabora totens perfeitos para a manutenção de um sistema de opressão pautado em poder físico, o domínio assertivo de um sujeito sobre o outro, emocional, econômica, visual. Um projeto de sociedade que desmorona sobre si mesma e encontra seu elo mais rígido e cru na vida de homens negros, sujeitos a desumanização por séculos, tateando no escuro entre a dureza e a emoção, sentindo mais que qualquer outro homem branco o dever de cumprir os desígnios do masculino na dura tarefa entre seus iguais de sobreviver até a vida adulta.
O projeto do masculino bruto, imune a emoções, refinado como uma parafernalha bélica que vai executar com precisão militar seu exercício de macho é uma ruína silenciosa, necessita de negar a multiplicidade da vida e as utilidades da lágrima para sua manutenção. A coletânea de contos deste livro passeia por episódios de corte, de tiro, de murro, de violação e avalia o que sobra, o que é capaz de sobreviver em meio ao campo de batalha dos homens canibalizados. É possível cultivar após o sangue? Alimentar perdão, semear amor, praticar escuta, abandonar o poder. Para descobrir é preciso deixar escorrer pra fora toda a sede de dominação para só então beber o sal do próprio choro.