Analuz 22/02/2022
Peraí, essa história é sobre mim?
"Guarda Lunar" se passa em uma realidade bastante imaginada por qualquer fã de ficção científica: e se o ser humano habitasse a lua? Pois é o que temos aqui, mas de uma maneira completamente diferente do que se espera!
Neste quadrinho, temos contato com uma civilização futurista (ou os restos dela) que, por algum motivo desconhecido, ampliou suas possibilidades de habitação e se mudou para a lua em determinado momento, mas que agora passa a retornar para a Terra aos poucos, provocando uma evasão. Mas como será a vida neste satélite em que prevalece a noite até durante o dia e cujo relógio é o maior guia para localização temporal?
A história me lembrou muito a animação "WALL.E" (Disney/Pixar) em seus minutos iniciais, pois é através da ausência de diálogos ou monólogos que conhecemos nosso protagonista. E afirmo com toda clareza que, em momento algum, as falas fazem falta! Muito pelo contrário, o silêncio é essencial para a ambientação e a apresentação do personagem.
A vida do guarda lunar é uma rotina. Nosso herói sequer tem nome, mas isso não faz com que simpatizemos menos com ele. Ele acorda quando o despertador toca, faz seus trabalhos (ou tenta, considerando a falta de atividade humana na lua e, consequentemente, o índice de violência zero), come seu donut e retorna ao seu apartamento. Assim, vemos o simpático policial cair em um marasmo de repetição nesse território tão desolado, se valendo a executar atividades banais como procurar o cachorro perdido de uma senhora ou devolver um autômato errante a um museu para ter algo a fazer em seu horário de trabalho.
De uma maneira simples, Gauld nos fala sobre tópicos bastantes pertinentes à nossa sociedade e até à nossa geração: solidão, quebra de expectativas em relação à vida profissional e os momentos depressivos que estes fatores podem trazer (os quais, embora trabalhados com uma sutileza magistral, nos levam a reflexões sobre a nossa própria vida). Com isso, é inegável que, mesmo com poucas cenas de diálogo, nós mesmos nos vemos representados no guarda lunar.
E é claro que isso nos leva a questionamentos que vão além da identificação, principalmente no infeliz momento pandêmico em que nos encontramos. Afinal, é possível viver só, isolado da civilização? Até onde o psicológico pode aguentar?
"Guarda Lunar" foi meu primeiro contato com o autor Tom Gauld, que traz em seus traços e em sua narrativa uma abordagem singela de temas complexos (aliás, a própria simplicidade das ilustrações chega a casar com a história de uma forma incrível!). Sendo um artista conhecido mundialmente, é mais famoso por suas tirinhas para revistas e pela publicação "Golias" (editora Todavia), que reconta a passagem bíblica de Davi e Golias sob o ponto de vista do "vilão". Decididamente, eu adorei a experiência de ler "Guarda Lunar" e afirmo que esta HQ foi uma porta de entrada deliciosa, fazendo com que eu pretenda ler "Golias" em breve!
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