Paulo 26/12/2023
Essa é uma coletânea de histórias da década de 1950 com roteiros e arte de Frank Frazetta. Estamos mais acostumados a vermos o trabalho de Frazetta como capista ou ilustrador ou em algumas edições especiais como artista. Admito que foi minha primeira experiência de ler algo que ele escreveu o roteiro. Apenas duas histórias dessa coletânea não foram produzidas inteiramente por ele: A Última Cavalgada de Victorio e O Domingo de Sonny que ele teve Al Williamson ao seu lado. A maior parte da coletânea é dedicada ao seu personagem Dan Brand, o Índio Branco, que foi o seu trabalho contínuo mais longevo. As demais histórias são vignettes com personagens como o Victorio (o Apache), "Rastro" Colt e mais algumas histórias reais que ele quadrinizou contando narrativas de superação ou de solidariedade. De fato é uma experiência bastante diferente de simplesmente ver capas do Conan ou suas pin-ups que são maravilhosas. O que alerto ao leitor é que são histórias da década de 1950; ou seja, elas tem uma estética própria e até mesmo a forma de contar histórias. Por mais que, na minha visão, os roteiros do Frazetta sejam bem fracos, eles não o são por sua simplicidade, mas por problemas narrativos mesmo. Querem uma experiência semelhante? Leiam qualquer coisa do Hal Foster, principalmente se for as tiras do Príncipe Valente. Vocês poderão ver como as narrativas são nessa mesma vibe mais simples e direta, mas a diferença é a maneira como Foster conta suas histórias e sem falar no traço detalhista do artista. Não estou desfazendo dessa coletânea, afinal ela possui seus méritos. Fora que é um resgate histórico incrível.
A maioria das histórias são de faroeste porque era um gênero que estava em alta na década de 1950. Principalmente por influência do cinema e das séries de TV. Muitos autores tinham o seu personagem de faroeste para chamar de seu. Revistas do gênero se espalhavam por toda parte. Basta ver as capas reproduzidas no começo de algumas das histórias. Frazetta trouxe a ideia do Índio Branco, Dan Brand. Era um homem de origem burguesa que estava prestes a se casar quando um rival no amor acaba por matar sua noiva. Ele sai em busca do assassino e se embrenha na floresta, mas acaba caindo ferido após uma luta com um urso. Ele é resgatado por índios de uma comunidade local e passa a viver um tempo com eles, aprendendo seus hábitos e costumes e a como sobreviver na floresta. Depois ele parte em uma missão de vingança contra o homem que matou sua noiva e depois passa a ajudar os americanos que estavam lutando contra os ingleses para conquistar sua independência. Ou seja, essa é uma história que se passa nos anos da guerra de independência americana (ou como alguns gostam de chamar, Revolução Americana) entre 1776 e 1783. Curioso ele escolher esse período porque não podemos necessariamente chamar de Velho Oeste nesse momento já que era um espaço ainda não explorado. As histórias costumam se passar nas áreas selvagens das Treze Colônias. Dan Brand conta com a ajuda de um indígena jovem que o considera como um irmão, que se chama Tipi.
Outro bom aviso para se dar é que, por ser um trabalho contínuo e que tinha prazos de entrega para as histórias, esse não é um trabalho que se compare ao que estamos acostumados a ver do Frazetta. Alguns quadros são bem apressados, outros foram afetados pelo processo de restauração e ficaram estranhos. Enfim, o que quero dizer é que, para quem aprecia as pin-ups e as capas do Frazetta, essa HQ pode ser um banho de água fria. Até gostei do traço e me lembrou muito dos trabalhos do Foster (por isso o citei lá no começo) e Frazetta é muito bom em ilustrar expressões faciais. Mas, a ausência de detalhes, o excesso de quadros em branco com pessoas falando umas com as outras (algo conhecido em escrita criativa como Talking Heads) e alguns ângulos bem estranhos me fizeram coçar a cabeça um pouco. O Dan Brand me parece o protótipo do que viria a ser o visual do Conan pelo Frazetta algumas décadas mais tarde. O rosto anguloso, a expressão severa, o sorriso sardônico, tudo está ali. As cenas de ação são simples por demais. Nenhuma delas me empolgou muito, com Dan mais dando socões na cara dos bandidos do que qualquer outra coisa.
Narrativamente as histórias não são muito empolgantes. Talvez pelo estilo das revistas onde Frazetta publicava, as narrativas eram bem curtinhas e fechadas em si mesmas. São histórias de sete ou oito páginas com desfecho e sem conexão umas com as outras. Se formos pensar nesse formato de histórias com narrativa fechada e com conexões bem sutis entre suas edições podemos pensar no que Galep fazia com qualidade ímpar com Tex Willer. Ou seja, é totalmente possível escrever boas narrativas com esse tipo de limitações. Em vários momentos, Frazetta usava umas soluções mirabolantes para os problemas nos quais ele colocava o protagonista ou até empregava um deus ex machina complicado de engolir. Fiquei em dúvida em vários momentos de para onde o autor queria levar a narrativa da história. Ora Brand faz o papel de mediador nas relações entre indígenas e pioneiros, ora ele está lutando em alguma batalha da guerra de independência. As primeiras histórias são bem nessa linha de estar no meio de uma existência como pioneiro e sua associação com indígenas. Só que mais para a metade final das histórias, Frazetta abandona essa linha e transforma Brand em uma espécie de batedor ou guia para os americanos. Essa indecisão narrativa faz as histórias caírem muito em qualidade.
Preciso destacar também o lado propagandístico de algumas das páginas criadas por Frazetta. Alguns leitores nos dias de hoje vão achar bem esquisito estas vignettes, mas elas eram bem comuns nessa época. Havia uma necessidade do governo americano de estimular o processo de conscrição. Então, esse tipo de narrativa panfletária fazia parte das revistas de época. Muitas das vezes são histórias de veteranos de guerra que realizaram alguma ação heróica, um bombeiro que realizou um salvamento inesperado. Tem até quadrinhos ensinando como fazer primeiros socorros a vítimas de afogamento ou como lidar com situações de crise. É diferente, mas precisamos entender que se trata de uma outra época. Por exemplo, era comum as pessoas irem ao cinema para assistir às notícias da semana em produções conhecidas como cinejornais. Eles funcionavam como os trailers de filmes são hoje, mas eram bastante úteis para uma população que ainda começava a ter televisores. São histórias para servirem de inspiração para outros. Nesse sentido, elas funcionam direitinho.
Queria citat também a história de Leif, o Sortudo, a penúltima história dessa coletânea. Essa é uma pegada de Frazetta no estilo de histórias que Foster produzia em suas tiras. Não tenho certeza porque não é dito na apresentação da coletânea, mas essa narrativa parece ser em tiras. Porque existem traços de finais e continuidade em algumas delas. É a que achei melhor desenhada em relação às demais. E muito dela me lembrou Príncipe Valente. Desde os uniformes ao castelo e à própria motivação para a jornada. Claramente é uma grande aventura com a ideia de encontrar a Vinlândia para que os vikings pudessem colonizá-la e encontrar um lugar onde o sol bate forte e as uvas nascem em abundância. Há uma boa sequencialidade narrativa na história e é uma pena que ela seja tão curtinha. Gostaria de ver essa tira sendo mais longeva.
Essa é uma boa coletânea de histórias que apresentam um pouco do que foi a história dos quadrinhos na década de 1950. É possível estudar as características das narrativas, seu formato, os temas presentes e as preocupações dos autores na época. Gostei que o Pipoca e Nanquim manteve as "histórias reais" porque é um detalhe interessante sobre a produção quadrinística da época. Contudo, é um Frazetta bem diferente do que estamos acostumados a ver. Ele não é um bom roteirista e sua arte está longe dos seus trabalhos mais maduros com ilustrações. Suas inspirações são bastante aparentes e Frazetta vai criando sua identidade com o passar do tempo até chegarmos nas últimas histórias que começam a ter um pouco da pegada que estamos acostumados do artista (embora o enredo ainda continue não muito legal).
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