dearmilla 14/04/2024Em minha bolha de amigos literários, este livro foi o que mais foi comentado no ano passado, seja de maneira positiva ou negativa, ou por iniciar discussões até mesmo polêmicas. Eu, por outro lado, acredito que tenha ficado sentada no muro desta discussão, entretanto com os pés virados para o lado do muro que achou essa obra essencial. Por causa disto, iniciei a leitura de “A Palavra Que Resta” com muitas expectativas do que fosse ler, mas acabei tendo uma visão bem diferente.
A obra de Stênio Gardel, hoje muito bem premiada e posicionada no mercado literário, plantou na minha cabeça diversos questionamentos sobre nossas raízes, nossos privilégios, os caminhos que tomamos e o preconceito. Em um enredo que alternar entre o presente o passado de Raimundo, personagem analfabeto gay, que vindo de uma família humilde sofreu abruptamente com um romance interrompido durante a adolescência e agora adulto, com a carta em mãos de seu romance da época, decide alfabetizar-se para em fim ler as últimas palavras não ditas.
Estruturalmente falando o livro me traz uma sensação de que não foi feito para ser lido, mas sim falado e ouvido. Stênio escreve de maneira ilustrativa para que através das conjunções, termos e erros de escrita/fala percebamos que Raimundo e os demais personagens estão falando conosco ao mesmo tempo que estão sendo alfabetizados, assim percebemos a sua progressão. Achei riquíssimo como não só o texto diz, mas as palavras demonstram.
Ao decorrer da leitura, tentei entender quais seriam os motivos que levaram tantas pessoas a desgostarem da obra e percebi que o preconceito e a hipocrisia fossem talvez os motivos. Além da grosseria e crueldade que Raimundo recebe de seu pai por ser gay e vir uma realidade brutal, o personagem como maneira de proteção reproduz o que viveu na pele com seus pares, visto que diferente das comunidade LGBTQUIAP+ que tem grupos de apoio, familiares e amigos que os apoiam e espaços que os aceitam, não é o mesmo para ele e tantos outros brasileiros.
Por fim, este livro me fez perceber que a empatia é a chave para que entendamos o outro e que nem sempre o outro precisa ser entendido para ser aceito.
Agradeço a Companhia das Letras por disponibilizar esse livro em versão e-book para análise.