Eduardo 24/04/2024
Uma obra-prima da literatura brasileira.
Li esse livro por conta de um youtuber que sigo, mas sabia pouquíssimo a respeito (e nem de longe imaginava ser tão pesado).
Adorei a obra não só pela história que é contada, mas pela forma que ela é dita. O fluxo de consciência ali misturado com uma falta de marcações (vibe Saramago), somado, ainda, com gírias e palavras do Nordeste do país, trouxeram um sentimento único consumindo essa obra; porque o que importa, não é só o que é dito, mas como é dito.
O livro me incitou diversas reflexões, e se quando procuram benefícios da leitura e encontram sempre a resposta que ajuda a criar empatia, bom, definitivamente essa obra aqui é um dos livros que auxilia pra isso. É impossível você não se sensibilizar com a história do Raimundo, não só por ele, personagem individual, mas por todo mundo que vive ao redor e tem que lidar com toda aquela situação. Você se sente mal pela sociedade simplesmente ser assim.
Para mim, foi uma leitura que funcionou muito, que me emocionou demais e retratou perspectivas urgentíssimas da nossa sociedade, embora lamentavelmente tristes e violentas. Em vários trechos eu ficava sim, mal, pelo contexto da história em si, mas também porque eram facilmente relacionáveis com a realidade que eu já presenciei (tanto comigo, quanto com outros próximos), e ver dentro desse modo de enxergar, traz uma experiência única - e um sentimento de revolta.
O final pode ser frustrante, mas entender que no contexto da obra encaixa perfeitamente, alivia um pouco.
Percebi, lendo algumas resenhas, que algumas pessoas não gostaram da obra por ter muita violência, homofobia e até transfobia; entretanto, creio que um outro ponto de vista deva ser levado em consideração. Este livro busca retratar uma realidade complicada e, como diz a própria palavra da minha frase, REAL, que fez parte, e ainda faz, da vida de inúmeros indivíduos. Embora exista toda essa violência, ela em momento algum é romantizada; pelo contrário, na verdade, ainda que se trate de uma retratação, percebe-se ali no texto que é uma denúncia àquele modo de viver que as pessoas são obrigadas a ter por razões exteriores. Causa um sentimento de revolta, um sentimento de fazer com que tudo seja diferente. Eu entendo completamente que as pessoas podem simplesmente não gostar da obra por darem gatilhos a elas, por não gostarem de temas pesados e outros N motivos, mas creio que deva haver uma separação entre "o que eu não gosto" e "o que não é bem-feito". Não é porque VOCÊ não gostou de algo, que o problema seja NA OBRA. É perfeitamente possível concluir que uma obra não funcionou pra você pelo seu modo de viver, do que por que ela em si é um problema (como algumas resenhas destacaram).
No mais, tenho só a elogiar essa obra e ter a certeza de um dia realizar a releitura. A felicidade que tenho é da língua portuguesa providenciar tais textos; nenhuma tradução pra qualquer língua estrangeira carregará, em si, o peso que o nosso português brasileiro carrega.
"É difícil explicar, pai, sabe se o senhor coloca umas pedras dentro de um copo e o que fica dentro, as pedras, não se aformam ao copo, fica sempre uns espaços, sem pedra ou sem copo, não é igual quando você enche um copo com água, que o copo fica todo preenchido, a água colada nas paredes do copo, sem sobrar um cantinho de ar que não tenha água, todo mundo parecido feito água, eu me sinto pedra dentro do meu corpo, eu disse pra ele, mas disse com vergonha do que estava sentindo."
"Esconder de uma vez o desejo pra não mais me esconder."
"Tu já viu que não tem jeito, não tem, a mudança vem, ou a gente correndo atrás dela ou ela atropelando a gente com tudo, sem pedir pra sair do meio. E é bom que venha mesmo, que o fim certo é que é bom, é o fim certo que empurra a gente, não fosse a certeza do fim, a gente ia viver igual todo santo dia?