gabriel 07/04/2021
Ótimos e desconhecidos contos
Peguei este livro de bobeira em casa, ele estava por aqui e nem sei de onde eu arrumei ele. A leitura é surpreendente, muito boa. A autora, até onde eu pude pesquisar, não é muito conhecida, sendo mais ligada à cena literária da região de Franca, no interior de São Paulo. Parece que é jornalista lá, ou algo assim.
Pois bem. Os contos são gostosos de ler, alguns são meio bestas e banais, passando por temas um tanto superficiais, outros já são muito inteligentes e com uma ironia excelente. No começo do livro, achei que só ficaria na coisa morna "dona-de-casa refletindo sobre a vida", mas os contos vão variando de estilo e tema, o que torna a leitura variada e bem curiosa.
Os temas vão desde redescobertas pessoais, memórias de família, denúncia e crítica social, passando por pequenos contos policiais, dentre outros. É um belo livrinho! Dá pra ler tranquilo numa sentada só, e ela tem um estilo agradável de escrita. Só acho que poderia aliviar a linguagem um pouco em alguns momentos, várias vezes a linguagem soa bem antiquada, até mesmo Machado de Assis soa mais moderno em alguns momentos. Mas, no geral, é uma ótima escrita.
Como em qualquer livro de contos, a qualidade deles costuma variar, mas no geral achei que ela manda bem, ela tem uma versatilidade interessante, inclusive muda de estilo e registro em vários momentos. Em dois dos contos, ela arrisca uma coisa meio "Guimarães Rosa", usando de regionalismos e neologismos, ainda que sem a loucura daquele outro escritor. É mais contida, o que eu achei até bom. Um dos contos é uma metalinguagem deliciosa, inclusive zoando de quem critica literatura com um ar blasé e superior. Belo fecho para o livro.
Ela tem uma mania esquisita de sempre mencionar os meses do ano ao longo dos seus contos. Você tá lá lendo e, de repente, "Roberta já estava em janeiro e blá blá blá". Algumas vezes isso denota a estação do ano, cumprindo um certo papel, outras vezes dá uma cronologia pra coisa, mas às vezes é só o mês do ano e pronto. A mulher escreve com um calendário do lado. Fica meio estranho.
O conto "O Poço" me pareceu o melhor, é um belo conto bem conciso, direto ao assunto, quase cinematográfico. Depois ele dá uma oscilada, e os últimos contos dão uma decolada no livro, fechando-o muito bem. Às vezes a linguagem peca um pouco pelo excesso, muito enfeite e descrição irrelevante. E tem aquele tom antiquado de que eu falei.
Mas no geral gostei muito. Terminei com um sorriso no rosto, principalmente pelo último conto ser bem metalinguístico e brincando com a própria questão da crítica literária (e da arrogância implicada nela). O conto policial é bem inteligente, com uma ambiguidade que a gente não detecta logo de cara e mostrando sofisticação. Há outros bons momentos também.
Não sei se é um livro muito fácil de achar, o Google não fala nada sobre a autora, então creio que deva ter saído em alguma edição pequena. Vale arriscar, é um livro muito bem escrito, com temas interessantes e muito bem concebido.