Felipe 28/04/2023
Flor da Inglaterra
Resenhar é interpretar. E tal atitude depende do amadurecimento psicológico e cultural. Da capacidade de observação e da complexidade de transformar essa percepção em algo compreensível. É transferir energia e nessa permuta perde-se energia, ou melhor, as palavras na comunicação são ineficazes para expressar os sentimentos que surgem ao ler obras que expressam mais que nossa capacidade momentânea de exprimir a essência de um livro. Dessa maneira posto abaixo o que fui capaz de compreender no momento, quiçá daqui a alguns anos possa ao reler A flor da Inglaterra ter nova percepção mais coerente com o que o autor quis entregar a humanidade.
George Orwell retrata sua própria imagem, enfatizando a revolta adolescente, um jovem revolucionário que sente ter no fundo a panacéia para os problemas dos sistemas sociais existentes. Um jovem tenta odiar o dinheiro, e por vezes até consegue sobreviver numa bolha, uma sociedade alternativa onde apenas ele faz parte, desprezando o dinheiro, mas incomodado com a riqueza alheia e com as atitudes dos abastados, ao passo que pretende ganhar a vida e ser reconhecido como poeta e escritor.
Gordon Comstock eleva ao extremo a égide de um sistema próprio de valores que cambia entre socialismo e capitalismo a depender do que lhe convém no momento. Por trás de Gordon existe um tanto de falta de esforço e estímulo para buscar jogar o jogo da vida. Apoiado e encostado a grandes mulheres que o incentivam, e possuem uma paciência com o mesmo, maior do que se deveria ter por um preguiçoso.
Explorando a própria irmã com empréstimos impagáveis pela natureza de seus atos, Gordon sente culpa por ter tido o privilégio de uma educação melhor e se esconde por trás dessa culpa para não aceitar um emprego digno sob pretexto de que isso impossibilitaria levar uma vida de um poeta completo.
Atribuindo culpa ao capitalismo pelas vidas medíocres dos trabalhadores assalariados, afirma que a sociedade deifica o dinheiro e como tal se nega a cair de joelhos diante desse ser maligno e cruel. Contudo, não consegue ter uma vida decente mesmo sem a idolatria capital, por vezes se contradiz ao conseguir um punhado de recursos, não sabendo o que fazer com o dinheiro.
Observo que Gordon está para a raposa que não conseguiu as uvas e dá as costas para o parreiral se consolando pela decepção de não ter obtido sucesso. Desprezando o dinheiro que não herdou, marginaliza os que herdaram alguma soma e se sente inferior a todos.
Por fim e mais irônico é que Gordon se rende ao dinheiro diante da vida em família, o que contradiz toda a sua filosofia anterior. Um choque de realidade por vezes o atormenta sabendo que mais cedo ou mais tarde cederá aos caprichos do dinheiro. O livro mostra a inevitabilidade da prostração ante ao altar ofuscante da riqueza. No entanto todos os portais de sofrimento anteriores preparam Gordon para se tornar um escritor talentoso de propagandas que passou a vida tentando não ser.