Letícia 27/07/2021
Depois da leitura de Torto Arado, mal via a hora de conhecer outras obras de Itamar Vieira Junior e reviver um pouco a experiência de uma das melhores leituras de 2020.
Em Doramar e a Odisseia, somos apresentados à faceta contista do autor. A coletânea reúne doze contos, dos quais cinco são inéditos e sete já haviam sido publicados pela editora Mondrogo em 2017, no livro A Oração do Carrasco, finalista do Prêmio Jabuti de 2018.
Aqui, Itamar reconstitui a memória de minorias silenciadas, cujas estórias nunca tiveram lugar na História oficial do país. Valendo-se da riqueza da oralidade, o autor transpõe, para as duradouras páginas da literatura brasileira, narrativas sobre personagens negros e indígenas, alguns deles marginalizados ou refugiados, outros escravizados ou exterminados.
Além disso, entramos mais uma vez em contato com os temas que lhe são caros e que tanto nos cativaram: a ancestralidade, a relação do ser humano com a terra, as religiões de matriz africana, a multiplicidade de vozes narrativas e as personagens femininas inesquecíveis.
As inovações ficam por conta do estilo de escrita do autor: o intercalar entre a narração em terceira e primeira pessoas nos contos O que queima, Na profundeza do lago, Inquieto rumor da paisagem e Voltar, todos inéditos; o fluxo de consciência e a autonomeação em Alma; e a narrativa arrebatada e em segunda pessoa, uma verdadeira convocação divina, de manto da apresentação.
Esse último, um dos meus favoritos, aliás, traz elementos biográficos do artista plástico sergipano Arthur Bispo do Rosário, que, internado em um hospício do Rio de Janeiro, criava arte vangardista a partir do lixo.
Para mim, os contos mais contundentes foram os que haviam sido publicados anteriormente, ao passo que a maioria dos inéditos me pareceram mais fracos. A exceção foi Voltar, que também figurou entre os meus preferidos, junto com o dilacerante Meu Mar e o provocador A Oração do Carrasco.
Em sua totalidade, porém, Doramar e a Odisseia é uma ontologia pujante, que dá voz a quem nunca a teve, o que, por isso mesmo, a torna indispensável.
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