Brito 18/02/2021
O livro de Cesário Verde
Cesário é o poeta da cidade de Lisboa, poeta do encontro, faz esculturas de gente viva e de realidades ainda mais vivas: calceteiros, varinas, operários, costureiras, burgueses, lojas, pobreza, degradação, injustiça social, indústria, progresso, culturas, ecos da aventura passada além-mar. Poeta do objectivo, do palpável, dos sentidos, da visão, dá-nos o quotidiano prosaico, concreto e real de Lisboa em palavras simples e certeiras, sem sentimentalismos, mas não fica por aí, filtra com o seu olhar transfigurador essa Lisboa que observa, e dá-nos uma pessoalíssima forma de ver a cidade, transforma-a no seu mundo através do olhar simultâneo de poeta simbolista, impressionista, romântico, realista.
Homem de contradições, vivendo num período de mudança social, ele próprio era mudança e por isso era incompreendido e não pertencia a lado nenhum, pertencia a si, à sensibilidade que captava no ar, à estesia de que fala o seu amigo Silva Pinto e que lhe proporcionava as imagens visionárias, a adjectivação rica, sugestiva, constrastante. Cesário vivia nesse mundo ricamente contraditório, era o romântico: eu hoje estou cruel, frenético, exigente/ já fumei três maços de cigarros, mas era o realista, o parnasiano que sai sai de si e descreve uma infeliz sem peito, os dois pulmões doentes/ e canta as varinas que à cabeça embalam nas canastras/ os filhos que depois naufragam nas tormentas. Poeta para trazer na algibeira da alma, estranhamente, ou não, ele que cuidava ser um anti-lírico, faz-nos falta para sentir.