spoiler visualizarFlôr 02/06/2023
Legados
Herança é uma história sobre quatro gerações tentando sobreviver e encontrar um lugar ao sol! Tudo se inicia na França, em Lons-le-Saunier (1837) e não se encerra, mas se delineia, até Ilario Da (em meados de 1973).
Construído com uma escrita fluída e arrebatadora, Herança foi o queridinho da França em 2021. Digo queridinho não só porque recebeu o prêmio Prix des Libraires, mas, principalmente, por se tratar de um livro com apenas 190 págs., daqueles que você lê em um dia.
Repleto de sentidos e significados - distribuídos em camadas ao ?gosto do freguês? - Herança pode ser lido por qualquer pessoa, mas será diferentemente compreendido em função da disposição do leitor para ler as entrelinhas. Mas Aline, todo livro não é assim? Sim, penso eu que é, mas Herança o faz de modo ?diferenciado?.
Para mim, não foi por acaso que Miguel Bonnefoy construiu o amor de Thérèse por pássaros e o de Margot por aviões. Contudo, o fez de modo que se você quiser se atentar aos símbolos contidos nas entrelinhas dessa construção será formidável, mas se não quiser será igualmente dolorido e belo.
?Margot não sentiu nem vertigem, nem medo. Só a potência animal de quinhentos cavalos de metal que arrancaram do solo num salto, empinando suas asas selvagens. Subiu tão alto que teve a impressão de que o país inteiro se delineava lá embaixo, num só impulso (...) as formas eram curvas, abauladas, bojudas como jarros (...) tudo obedecia a preceitos essencialmente femininos. Ela confirmou, naquele instante, que o nome do céu não podia ser masculino. Não conseguia acreditar que os primeiros aviadores tivessem sido homens. Para ela, o céu traduzia-se numa feminilidade explosiva (...) Era um lar, concebido como um ninho, um seio, provando que as primeiras civilizações a habitarem as nuvens eram matriarcais.?
De Herança, fica para mim, a estima pelas personagens femininas e a reflexão:
Quão singulares acreditamos que somos, apesar da universalidade das nossas heranças...?
? ?
?Por isso cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Você me pergunta pela minha paixão
Digo que estou encantada como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento cheiro de nova estação
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração
Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
Mas é você que ama o passado e que não vê
Que o novo sempre vem?
Como nossos pais
Elis Regina