Bruno.Dellatorre 31/12/2023TraumatizadoEu sabia que essa seria uma leitura impactante, mas não imaginava que seria como foi.
A primeira coisa que eu queria destacar é que eu penso MUITO parecido com a Annie Ernaux. Desde o primeiro livro dela que eu li, senti isso, que ela sente e pensa coisas nos mesmos termos, às vezes até nas mesmas palavras que eu. Por conta disso eu sentia, e ainda sinto, uma proximidade entre nós, quase como se eu a conhecesse. Como se ela fosse uma alma-par minha.
Por isso fiquei tão assustado quando li esse livro.
Com relação ao aborto, sempre me abstive dar opiniões. Primeiro porque é um assunto muito espinhoso (senão o mais espinhoso de se discutir em sociedade). Segundo porque como um homem de dezessete anos não me sentia muito capacitado pra opinar sobre o que uma mulher grávida deveria fazer consigo e com seu filho.
Mas lendo esse livro, gente, me desculpa, mas eu não consigo mais ficar indiferente.
Ela ficou dias e dias com uma sonda no útero. Quando ele finalmente morreu, ela jogou ele num saco vazio de torrada, despejou na patente e puxou a descarga. É muita crueldade.
Você pode até argumentar que com três meses o embrião não sente nada. Mas gente, pelo amor de Deus... sente sim. E mesmo que não sentisse: é o seu FILHO. Você consegue dar descarga nele sem culpa alguma e depois dizer que sentiu orgulho?
E o que mais me choca é que a autora depois teve dois filhos. Pelo que diz a internet (deve estar errado isso porque fica ainda mais absurdo se for essa data mesmo), o primeiro que ela pariu nasceu NO MESMO ANO do aborto.
Então ela abortou um em janeiro, deu descarga nele, sentiu orgulho. E aí no mesmo ano ela casa, engravida de novo e aí esse sim podia nascer. Eu não entendo... desculpa, gente, é demais pra mim.
O livro é MUITO bem escrito. De verdade. Ela é absurdamente boa com as palavras. E os sentimentos que ela alcança, a crueza da narrativa, o modo como ela parece estar contando a história especialmente pra *você*, pra isso tudo eu bato palmas.
Mas não consigo dar nota 5 sem pensar que assim estou concordando com o que ela fez. Se fosse um livro de ficção, vá lá... mas é real. Ela fez isso mesmo.
Tô bem chateado.
E conflitado porque esse livro me fez pensar em zilhões de coisas, me impactou demais, mas gente...
É uma pessoa contando que deu descarga no filho morto e sentiu orgulho.