Paulo 22/11/2023
Psicopata intelectual
Escrito em forma de memórias, o livro narra, em primeira pessoa, a vida de Graham Underwood, acusado de ter assassinado 15 pessoas (mas, segundo ele, seriam 22, pois a polícia não descobrira todos os seus crimes) e enterrar os corpos das vítimas no pequeno jardim de sua casa em Eastham.
Underwood era um funcionário público do baixo escalão do Departamento de Habitação, autodidata em filosofia, história, antropologia e sociologia. Na infância, ele sentia prazer em mutilar e decepar pequenos animais; depois, decidiu matar homens e mulheres por ele considerados escória da humanidade, ou seja, pessoas viciadas em drogas, criminosos reincidentes, desempregados sem perspectivas, para ele consideradas meros “parasitas sociais”.
Escolhia suas vítimas meticulosamente, sempre pessoas sem parentes ou amigos, cuja morte não faria qualquer diferença de quem ninguém sentiria falta. Matava-as por estrangulamento, após sedá-las. Ele se considerava um “idealista e humanitário” ao livrar o mundo dessas pessoas.
Muito inteligente, sagaz e irônico, Graham apresenta diversos argumentos que, segundo ele, justificavam os homicídios cometidos. Para isso, alargava o nexo causal ao extremo e usava demonstrações absurdas. Por exemplo, o cigarro é uma das maiores causas de morte do mundo; os fundos de pensão investem em companhias de cigarro; você aplica dinheiro nesses fundos de pensão; como você sabia ou deveria saber que o fundo de pensão financia o cigarro, que mata pessoas, você também é um cúmplice de homicídio.
Graham ao menos era coerente em suas ações e seus princípios morais. Como ele era contra a indústria alimentícia que mata animais, tornou-se vegetariano. Comprou ações de companhias das quais discordava (que eram ambientalmente irresponsáveis, por exemplo) apenas para participar das assembléias societárias e expor seus argumentos racionais para constranger seus dirigentes. Escrevia cartas para congressistas cobrando soluções para problemas reais. Como nada disso funcionava, misantropo, decidiu livrar o mundo de parte de seus problemas, matando pessoas moralmente inferiores e improdutivas, segundo seus próprios critérios de julgamento.
Com esse pano de fundo, Dalrymple destila toda sua erudição, citando Shakespeare, Dostoiévski e outros autores de renome. Usa seu protagonista para criticar de forma ampla o sistema penitenciário inglês, a sociedade de consumo, nossa falta de valores e a hipocrisia reinante.
Parece-me que Graham Underwood é uma espécie de Raskólnikov (personagem de Crime e Castigo, de Dostoiévski) que decide eliminar o “homem-massa” descrito por Ortega y Gasset. Pretensioso e com senso moral completamente distorcido, Graham é um verdadeiro psicopata: egocêntrico, não possui capacidade de empatia nem sente qualquer remorso.
Aqui, o homem moderno e racionalista atinge a plenitude de seus poderes: ele acredita poder usar sua inteligência para eliminar, impunemente, os seres humanos inferiores a ele, segundo seus próprios critérios de julgamento. Torna-se, de fato, Deus. Ao menos, ao contrário de Raskólnikov, para Underwood não há possibilidade de redenção e ele acaba sendo assassinado na prisão.
É uma espécie de ficção filosófica, na qual o autor revisita os temas que lhe são caros. Para mim, não funcionou bem, pois falta ação e um melhor encadeamento dos fatos vividos pelo protagonista. Os ensaios de Dalrymple, por outro lado, são indispensáveis.