Brunna Brasil 13/05/2022
"O Papel de Parede Amarelo" tem uma relação muito próxima com a experiência de vida de sua autora, Charlotte Perkins Gilman. O conto traz o retrato do declínio mental de uma mulher que, apesar dos ditos "cuidados" recebidos pelo esposo, se sente presa, perseguida e observada.
O papel de parede entra como símbolo dessa prisão, em que a protagonista começa a interpretar cada traço e nuance do objeto como um agente encarcerador também. Ela usa o papel para externalizar e analisar uma situação que é interna. Assim, ela pode se livrar da culpa por não se sentir grata ao marido e por não conseguir estar perto do filho recém-nascido.
Mas, ao mesmo tempo que faz isso, ela se desconecta cada vez mais da realidade (ou se conecta cada vez mais ao sobrenatural — numa leitura mais literal, que também é possível), o que a catapulta inexoravelmente para o fim: liberdade ou só um outro tipo de prisão?
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Na vida real, uma situação similar levou Perkins a compor o conto. A própria autora falou sobre essa fase:
“Sofri de um colapso nervoso severo tendendo à melancolia(...) fui a um conhecido especialista em doenças nervosas, o mais conhecido do país (...) que concluiu que não havia problema comigo e me mandou para casa com o conselho solene de ‘viver uma vida doméstica tanto quanto possível, ter apenas duas horas de vida intelectual por dia e nunca mais tocar em caneta, pincel ou lápis enquanto eu vivesse’.
“Fui para casa e obedeci a essa instruções por cerca de três meses e cheguei tão perto da fronteira da ruína mental absoluta que pude enxergar. Então, usando os resquícios de inteligência que me restavam, lancei ao vento o conselho do famoso especialista e voltei a trabalhar, recuperando assim certa medida de poder.
“Naturalmente movida por esta fuga, escrevi O Papel de Parede Amarelo, com seus enfeites e adições, para realizar o ideal narrativo (nunca tive alucinações ou objeções às minhas decorações murais) e enviei uma cópia ao médico que esteve tão perto de me deixar louca.
“Pelo que sei, o conto salvou uma mulher de um destino semelhante. E muitos anos depois disseram-me que o grande especialista admitira a amigos seus que alterara o tratamento da neurastenia [transtorno psicológico caracterizado pelo enfraquecimento do sistema nervoso central, gerando fraqueza, esgotamento emocional, dor de cabeça e cansaço excessivo] desde que lera O Papel de Parede Amarelo.
“Eu não tinha a intenção de enlouquecer as pessoas, mas de salvar as pessoas de enlouquecerem, e funcionou.”
O conto foi descrito como “a melhor descrição de insanidade incipiente”. Apesar de tudo isso, a autora não conseguiu se livrar de um final trágico atrelado a outra doença: em janeiro de 1932, Gilman foi diagnosticada com câncer de mama incurável. Defensora da eutanásia para os doentes terminais, Gilman cometeu suicídio em 17 de agosto de 1935, tomando uma overdose de clorofórmio. Tanto na autobiografia quanto na nota de suicídio, ela escreveu que "escolheu o clorofórmio em vez do câncer" e morreu rápida e silenciosamente.
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