Ana Usui 04/08/2022
Todos os motivos pelos quais você deveria ler Zakaria (sendo feminista ou não)
Você quer uma crítica ao feminismo? Não busque "antifeministas", busque as próprias feministas. Elas são boas nisso.
Muitos reclamam sobre o movimento feminista defender muitas pautas, possuir muitas vertentes e estar sempre se contradizendo, questionam sua relevância na atualidade e alegam que essas diferenças enfraquecem o movimento e que por isso preferem não se envolver com algo tão bagunçado.
No meu ponto de vista penso que essas diferenças são positivas. O movimento feminista começou defendendo pautas bem específicas, como o sufrágio por exemplo, mas desde o início as integrantes sabiam que ser "mulher" na sociedade era complexo e logo na segunda onda já começaram a abordar os significados de ser mulher.
O feminismo deixou há muito tempo de ser apenas um movimento para se tornar um campo de estudo filosófico e sociológico. O fato do feminismo estar constantemente mudando e trazendo novas críticas significa que ele é capaz de evoluir, que é capaz de enxergar suas falhas e abordá-las de frente.
Existe incômodo em questionar, porém é a função dos campos de estudo. Agora temos debates variados sobre nossa experiência como gênero, como individuo econômico, como sujeito social e até como vivenciamos nossa sexualidade.
O movimento como um todo possuía muitas falhas, mas está constantemente se indagando e clamando por mais justiça e mais sensibilidade em nossas relações sociais.
Em Contra o Feminismo Branco, Zakaria traz críticas duras e importantíssimas sobre o movimento feminista "branco", sua cooptação pelo capitalismo e suas consequências.
No livro ela faz uma distinção entre possuir a pele branca e defender apenas as causas brancas, trazendo o termo "feminismo branco" para explicar o movimento apolítico que se preocupa em defender pautas que favorecem uma minoria. Sua crítica é especialmente válida para aqueles cujas origens são de países anteriormente colonizados; ela aponta para o fato das feministas "brancas" terem se tornado confortáveis com suas novas posições na hierarquia de poder, ignorando os problemas sociais que mulheres de outras etnias sofrem e muitas vezes sendo coniventes e 🤬 #$%!& mplices das explorações do sistema machista e capitalista.
No capítulo 3, O complexo industrial do salvador branco e a feminista ingrata de pele marrom, Zakaria expõe como o feminismo foi absorvido pelo capitalismo, oferecendo politicas favoráveis, entretanto que não são transformadoras. Ou seja, é mais fácil criar departamentos de diversidade do que melhorar os salários, oferecer acesso à saúde e tentar compreender as dificuldades reais das mulheres. Politicas favoráveis se preocupam mais com o marketing de suas ações do que realmente solucionar problemas, se envolver nas pautas sociais e econômicas, ou fazer uma verdadeira diferença significativa.
Zakaria denuncia diversas falhas em grandes organizações, como a ONU por exemplo, que se propôs a "ajudar" mulheres indianas, afegãs, ou qualquer outra estrangeira, sem levarem em conta a cultura dessas mulheres, estudar suas verdadeiras preocupações ao invés de suporem por suas perspectivas de pessoas civilizadas do ocidente que sabem o que o mundo precisa para se tornar melhor (ignorando completamente suas próprias falhas e problemáticas).
"Uma pesquisa recente com funcionários em Genebra confirma esse tipo de relato: um a cada três funcionários ouvidos disse ter sofrido ou visto uma pessoa sofrer discriminação racial. Dos participantes da pesquisa, 59% disseram que a ONU não era uma instituição boa em lidar com discriminação racial".
"... doadores preferem custear workshops educacionais em vez de distribuir os recursos materiais".
A autora relata sobre tentativas da ONU de ajudar mulheres indianas enquanto demonizava suas culturas, ONG's que preferem oferecer cursos educacionais de empreendedorismo sem levar em conta as dificuldades econômicas do local e grandes organizações feministas americanas que permanecem ainda hoje racistas.
Ou seja, o famoso "vou ajudar, mas não quero saber de problema". A autora aponta que essas falhas ocorrem justamente porque a liderança se recusa a integrar pessoas que vivenciam suas próprias dificuldades, que ainda centralizam o poder nas mãos da classe dominante sem considerar outras perspectivas.
"O feminismo de gotejamento, no qual uma solução é criada no topo (o que significa, em geral, membros da classe alta ou média, normalmente brancos), não é feminismo interseccional; é feminismo ditatorial".
É como um parente que diz que quer te ajudar, mas invés de te perguntar o que você precisa, apenas te dá o que lhe é conveniente, coincidentemente são sempre coisas que seu parente já queria se desfazer...
Com certeza haverá quem diga que isso é ingratidão, que os necessitados devem aceitar o que lhe derem, mas é uma baita crueldade e mesquinharia falar isso em uma posição de conforto, ignorando como essas pessoas necessitadas em questão foram a base para construção da nossa sociedade atual, seja através de escravidão ou de exploração dos recursos naturais de suas regiões/países.
Outro questionamento sobre a subversão dos valores feministas que a autora faz é sobre a liberação sexual como forma de empoderamento feminino. Como o próprio termo "empoderamento" fora ressignificado para atender as demandas do mercado e as consequências da luta pela liberação sexual, que também se tornou capitalizada, para a sexualidade compulsória. Zakaria relata suas experiências como mulher marrom e as cobranças constantes sobre sua expressão de sexualidade.
Essa pauta é bem ampla inclusive, considerando que há grandes distinções de abordagem no que se refere a sexualidade de mulheres asiáticas. Durante a exploração colonial da Índia as mulheres eram vistas como libertinas, degeneradas que precisavam da orientação estrangeira para corrigir lhes a moral e os costumes. Agora mulheres indianas são vistas como recatadas em excesso, submissas ao patriarcado opressor. Além disso mulheres japonesas e/ou coreanas são comumente vistas como assexuadas pela cultura norte-americana.
Zakaria critica a visão parcial e muitas vezes xenofóbica que impedem as pessoas de entenderem culturas estrangeiras e pra piorar, a constante intromissão da Europa e dos Estados Unidos nas questões internacionais, como se fossem a única cultura correta e digna e isso lhes conferissem direito de intervenção nos lugares "menos civilizados".
Contra o Feminismo Branco é um livro essencial para entender alguns dos piores pontos do feminismo atual, além de apresentar o ponto de vista das "mulheres marrons", como diz Zakaria, no contexto do movimento atual. Por fim a autora termina o livro com um apelo por um movimento mais político, focado em ações transformadoras, com pautas que busquem mudança estrutural, e com um convite a críticas, alegando que é somente através do debate que podemos buscar mudanças e evolução.