Lauraa Machado 23/06/2022
Nem perto de ser tão bom quanto merecia
Esse provavelmente vai ser o último livro de um autor nacional publicado pela Galera Record que eu vou ler. É o segundo que li nesse mês e, de novo, me pareceu demais com o primeiro manuscrito da história mandado para a revisão antes do texto ser trabalhado. Parece uma fanfic, porque o livro ainda está muito cru e parece ter sido publicado sem edição, sem reescrita, sem ter dado tempo de amadurecer, crescer e se firmar. E tem tanta coisa incrível nesse livro, que realmente me revolta demais saber que desperdiçaram com uma publicação sem capricho assim.
Na minha opinião, tem dois grandes problemas nesse livro, dois tão fáceis de ajeitar, que definitivamente não deveriam ter passado em um livro publicado por uma editora grande. Parece nem ter passado por um agente literário, para falar a verdade. Se fosse um livro independente, estaria ótimo, porque os problemas nem são coisas que uma pessoa sozinha é capaz de perceber em sua própria escrita e encontrar o caminho para melhorar, mas que acho inaceitável em um livro publicado por uma editora como essa.
Faltou edição, sim, mas até uma boa preparação deveria ter apontado a quantidade de repetições que tem nessa história. Esse é o primeiro problema que encontrei. Repetição, repetição, repetição. De palavras, frases, ideias, cenas, descrições.
Acho que a palavra "armário" foi usada no mínimo umas setenta vezes, e nem estou tentando exagerar. Além disso, tem várias cenas que nós vemos acontecendo e que depois temos que ver os personagens contando e explicando para vários outros em vários momentos diferentes com detalhes, como se já não soubéssemos de tudo. O leitor precisa da informação uma vez e, se não puder evitar, pode deixar o personagem contar uma outra vez. Mas quatro, cinco, seis vezes retomando o mesmo acontecimento com as mesmas informações?
A repetição está também nos monólogos internos dos personagens, que pensam e tiram conclusões iguais várias vezes durante a história. Eles se explicam para si mesmo, criam discussões em suas cabeças, o que já seria cansativo só pelo fato de ser desnecessário, mas fica pior quando são os mesmos assuntos e argumentos toda vez. Digo que é desnecessário, porque é sempre muito mais inteligente e natural mostrar opiniões em atitudes do que só com discursos, sejam internos ou para outras pessoas.
Mas é bem normal autores iniciantes começarem seus primeiros manuscritos descrevendo e falando as coisas em vez de diluir os ideais em atitudes, cenas e ações. Para mim, a falha desse livro está totalmente em quem trabalhou nele depois, em quem tinha mais experiência e não apontou todas as vezes em que coisas foram faladas em vez de mostradas. Mas, ainda assim, as repetições das frases, falas, ideias e argumentos desnecessários foram bem mais chatos e irritantes. Bem mais amadores.
A falta de edição fez esse livro ter quatrocentas páginas quando não tinha história direito para nem duzentas. O enredo tem pouquíssimos acontecimentos, que são esticados e estendidos por muita repetição, muito personagem contando a mesma coisa para pessoas diferentes, muita passagem que poderia ter sido cortada sem dó que não faria a mínima diferença.
E o maior problema disso é que o enredo é fortíssimo, os acontecimentos são ótimos, toda a mensagem e a emoção da história são impactantes, mas acabam quase completamente ofuscadas pela falta de edição no livro.
O segundo problema, o que me incomodou logo de cara, foram as "palestrinhas", ou os "infodumps". A partir do primeiro capítulo, já dá para sentir um tom de "livro didático" sobre várias questões de minorias diferentes. Cenas que são pausadas para o personagem narrador dar uma aula, quase literalmente, sobre o que é ofensivo, o que não se deve fazer, aulas que muitas vezes nem encaixavam na cena, mas foram introduzidas só para dizer que tem.
O problema não eram nem as mensagens, mas como não se encaixavam naturalmente no livro, como eram sempre forçadas e poderiam ter sido trocadas por atitudes. Leitores não são burros e nem precisam que a história pare para lições nos mínimos detalhes, com tudo escrito e desenhado. Nós conseguimos entender mensagens por indiretas, por ações dos personagens, por cenas melhor diluídas no enredo. Mas isso é, de novo, super comum de autor iniciante e que publica sozinho. Não deveria ser comum de pessoas mais experientes trabalhando no livro com o autor.
Tem muita cena legal, muito personagem interessante e muita coisa especial nesse livro. Não tem romance, na verdade, o que me decepcionou um pouco, e a "paixão" de Romeu não me convenceu, quando ele mal se lembrava do outro garoto. Mas tinha tanto potencial para ser um livro espetacular, e eu realmente não acredito que precisaria de muito. Só de edição, de alguém trabalhando em cima do texto com mais calma e atenção. E não é a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira que eu sinto isso com um livro nacional publicado por essa editora, por isso estou tão incomodada.
Essa história merecia mais. E, pelo que eu conheço do autor, ele também merecia mais. Espero que a maioria das pessoas não fiquem tão decepcionadas quanto eu, que consigam ler até o final, porque a escrita do autor é super fácil de ler, e que gostem bem mais desse livro do que eu.
Espero também que livros com potencial enorme e especiais como esse levem um pouco mais de tempo para serem publicados, que tenham tempo de amadurecer, de serem apagados e reescritos, que seus autores tenham apoio para além do emocional, que tenham alguém sem medo de dizer o que não está bom, de ajudá-los a crescer e melhorar. Hype é importante, vender é importante, mas no final do dia ainda acho que é bem mais importante o livro ser o melhor que ele pode ser. Esse, infelizmente, não chegou nem perto de ser tão bom quanto poderia ter sido.
Aliás, adorei as referências no livro, só queria ter visto pelo menos uma ou outra de livros independentes, já que existem tantos de autores LGBTQIAP+ independentes que nunca são vistos pelas editoras.