O Espírito e a Letra

O Espírito e a Letra Johann Gottlieb Fichte




Resenhas - O Espírito e a Letra


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gabriel 05/02/2022

O problema é a Grundlage

Pretendo ser breve nesta resenha, ela não se pretende técnica e é apenas uma impressão de leitura. Comecei a estudar Fichte meio que por acaso, estava vagando por Marx, e quem vaga por Marx, vaga por Hegel, daí pra tropeçar e cair no Fichte foi meio caminho. O fato de eu ter a coleção "Os Pensadores" completa (herança do meu pai, que comprou a edição dos anos 80 com a famosa "capa arco-íris") também ajudou. Na real, meio que peguei o livro e comecei a ler.

Logo de cara, o livro já me remete a este outro, ensaio do seu tradutor, na verdade a tese do seu doutorado para a USP em 1972. E, de fato, o texto transpira anos 70: só cita Marx lá pro final, e cita sem citar (o nome não aparece), só aparece as Teses sobre Feuerbach e o nome "materialismo". Mas qualquer um alfabetizado entende a citação. (E o fato de ser só após os complicados rodeios metafísicos do autor, já mata qualquer censor de sono).

É um texto, então, que só faz sentido se você já estuda a obra de Fichte, peça-chave do que se convencionou chamar por "idealismo alemão", corrente de pensamento do final do século 18 e início do 19. É um texto acadêmico, com tudo de mal e bom que isso implica. O texto, no entanto, é um "morde-e-assopra", e tem os seus pulos. O autor, que depois se embrenhou pela poesia, é esperto nesse sentido: de repente, você está lendo um complicado conceito, e ele me joga um Oswald de Andrade, numa curiosa citação. São pequenas clareiras, que vão se desenhando em meio a um texto muito, muito árido.

É impossível dar menos de quatro estrelas para ele, dada a competência e abrangência com que ele aborda a filosofia de Fichte. Porém se você não é um estudante de filosofia, eu dou a sincera recomendação de você estudar Kant primeiro. Por dois motivos: primeiro que Kant era mais importante mesmo (inegável), e segundo, que ele toda hora se remete ao Kant mesmo, sendo necessária a familiaridade com alguns de seus conceitos. Não precisa ser um especialista nele, mas pelo menos dominar alguns de seus temas.

Como diz o título da minha resenha, "o problema é a Grundlage". E o que seria este palavrão horroroso? Um livro completamente obscuro do Fichte, de 1794. O grande problema é que este livro complicado e quase impossível de ser compreendido, é o que há de mais descritivo da sua filosofia. Mas assim como pintar com detalhes uma mulher feia não torna ela bonita, o mesmo acontece aqui com sua filosofia. E assim como o original, as passagens que envolvem a análise deste livro, são completamente dolorosas, um verdadeiro "chute no saco" em termos literários (e filosóficos).

Eu recomendo vivamente que este capítulo - aqui chamado de "Um livro pelo avesso", o que é uma descrição bastante precisa - seja pulado sem qualquer dor na consciência. O leitor que já se familiarizou com Fichte (e que fez o favor de pular a Grundlage original também), pode tirar muito proveito dos outros inúmeros temas trabalhados, até com certo brilho por parte do autor.

Do que, afinal, trata Fichte? É uma espécie de Kant resumido, que ao mesmo tempo tenta expandir Kant. Filosofia que trabalha as contradições, é praticamente um elogio daquelas. É uma filosofia quase que "anti-lógica", que estabelece a reflexão como anterior até mesmo à lógica mais básica. É, então, uma filosofia que come aquele prato sempre difícil, que é a contradição, que aqui ele tenta matar no peito (com resultados bastante confusos, em alguns casos).

A frase capital da filosofia dele é o "eu = eu". O desenvolvimento que ele faz a partir desta insignificante frase é genial e vale a pena ser lido. Há, aqui, a improvável união do sujeito com o objeto, na forma do eu infinito. As demais implicações, no entanto, são por sua conta e risco, e às vezes soam como puro charlatanismo. É, no entanto, importante para a história da filosofia.

Fichte é um autor muito pouco lido, e acredito que no Brasil isso se dê de forma ainda mais intensa. Então há ainda este atrativo nele, pelo menos você vai ler algo que ninguém leu (e pode pagar de cult com isso, se isso lhe interessar).

O ensaio se apega à questão da imaginação no autor, e as implicações disso são brilhantemente trabalhadas. É, no entanto, inacessível ao leitor comum, sendo apenas a tese de doutorado trespassada para o formato de livro. Fora uma mão de tinta aqui e ali, é basicamente a mesma coisa, o que na verdade é um pouco desrespeitoso. São ideias que mereceriam atingir um público mais amplo.

Gostei de conhecer este autor, mas não sei se pretendo me aprofundar mais nele. Me foi útil para mapear algumas das questões trabalhadas por ele. Não ajudou, no entanto, a entender a "Grundlage", como diz a nota de tradução de "Os Pensadores". O que foi decepcionante, esperaria que isso fosse melhor trabalhado.

Fiz anotações por todo o texto. Caso você esteja o estudando, compartilho-as sem o menor problema. Não são grande coisa, apenas um "resumo" de algumas questões trabalhadas.
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