Leila de Carvalho e Gonçalves 14/05/2022
Vencedor Do Prêmio Oceanos
?Não se plantam, semeiam-se abóboras.? (Página 150)
Do timorense Luís Cardoso, O Plantador de Abóboras foi o vencedor do Prêmio Oceanos em 2021. Dedicada à literatura de língua portuguesa, a premiação é o equivalente lusófono ao britânico Man Booker Prize e pela primeira vez, ela foi concedida a uma obra do continente asiático, ou melhor, pela primeira vez uma obra do continente asiático esteve entre os finalistas.
Curiosamente, o romance enfrentou dificuldades para ser publicado. Apesar de Cardoso ser um nome conhecido tanto em seu país como em Portugal, O Plantador de Abóboras foi levado ao prelo pela Abysmo, após ser rejeitado pela Porto Editora, a antiga casa do escritor, sob a alegação do baixo retorno financeiro de seus livros. Uma situação que traz a pauta uma antiga discussão: a frequente dicotomia entre critica e público, ou da qualidade literária versus o mercado de livros.
Resumidamente, a narrativa é um longo monólogo que, em 160 páginas, reconta a história de um país construído por sucessivas ocupações e que, hoje em dia, tornou-se refém do petróleo existente em seu litoral. Na mão dos australianos, essa riqueza não tem sido aproveitada para incentivar a educação, a saúde e a agricultura da ilha. Conforme Cardoso denuncia, falta ?vontade política? para mudar essa conjuntura, afinal, ?não se pode passar a vida toda recriminando o passado pelo presente?.
Num fluxo poético marcado pela violência, o romance assemelha-se a uma sonata e é apresentado em três andamentos ? ou capítulos ? relacionados entre si: a revolta contra a colonização portuguesa em 1912, a tomada do país pelo Japão durante a Segunda Guerra e a invasão da Indonésia (1975-1978) que dizimou um terço da população da ilha. O resultado é uma composição polifônica que se distingue pelo emprego de expressões e palavras extraídas do ?tétum?, língua nacional e co-oficial do Timor. Para exemplificar, ao invés de europeu é usado ?malae-mutin? e ?malae-metanque? significa africano.
Outro destaque do romance é a intertextualidade tanto a homoautoral, com outros livros de Cardoso, como a heteroautoral, com livros de outros escritores. Nesse último caso, há referências explícitas a Dom Quixote, de Miguel Cervantes, e implícitas à obra de Gabriel Garcia Márquez: Manue-mutin, um local imaginário que é pano de fundo da historia, remete a Macondo, e sua protagonista e narradora, a espera do noivo há décadas, recorda Fermina Daza, de O Amor Nos Tempos Do Cólera.
Finalmente, a escolha do título do livro remete ao sonho da grande maioria dos timorenses: ter um terreno para plantar abóboras. De fácil frutificação, eles aproveitam todo o fruto, comem dos rebentos às flores, e desde a sua chegada no período colonial, a abóbora tem sido fundamental para a sobrevivência dos ilhéus, em especial, em tempo de vacas magras.
?Numa guerra ninguém faz considerações morais: ou se mata ou se morre. Mata-se e pronto. Mataste quantas pessoas, antes de entrares nesta casa para me dizeres que gostarias de plantar abóboras? Não precisas de me responder. Se tiveste de o fazer foi certamente ao serviço da Pátria. Fora de mim pensar em outras absurdas hipóteses. Haverá alguma que seja mais convincente do que matar por medo que te matem a ti?? (Página 45)
Boas leituras!