Tuca 30/03/2022“Emmeline” foi o primeiro romance da poetisa Charlotte Turner Smith. Publicado em 1788, ele foi um sucesso imediato. E eu entendo o porquê. “Emmeline” ou “A órfã do Castelo” é um verdadeiro dramalhão que seria maravilhoso de se ver nas telas como uma minissérie ou uma novela. Ele reproduz determinados padrões (muitos deles que eu até considero bons), mas quebra vários deles na sua heroína, a jovem Emmeline Mowbray, em especial com sua personalidade firme e sua obstinação tão grande em uma adolescente do século XVIII. O que mais brilha na história, no entanto, é como Charlotte inseriu seus próprios traumas e sua própria experiência acerca de um casamento ruim em muitas das personagens femininas (principalmente em Lady Adelina e Mrs. Stafford, e fazendo de Emmeline, a personificação do que ela via como ideal de comportamento perante a situação). E, ainda, estruturou de forma romântica em seu primeiro romance uma defesa da importância de se realizar um matrimônio bem pensado, em que a mulher tivesse o mínimo de consciência da personalidade do marido, pois casar mal poderia resultar em um infortúnio perpétuo.
Influência para Jane Austen, Charlotte Smith sofreu muito em um casamento abusivo. Tendo sido “vendida em casamento” pelo pai aos quinze anos, teve como marido um bêbado que vivia a explorando, mas com quem estava ligada pelo resto da vida, o que incluiu acompanhar seu marido na prisão e ser obrigada a dar parte dos seus rendimentos com a escrita para ele (ambos regramentos da época. Inclusive seus primeiro sonetos a serem feitos profissionalmente foram escritos na prisão, e o lucro serviu para pagar pela liberdade do esposo).
Em “Emmeline”, ela desbravou as dificuldades femininas para se posicionar no mundo. Orfã e possivelmente ilegítima, Emmeline havia crescido escondida em um castelo, sendo privada de tudo o que poderia lhe pertencer, exceto o nome e a residência por uma “gentileza” do irmão de seu pai. Com a morte de sua governanta, ela acaba eventualmente recebendo a visita do tio (seu tutor) e o filho dele, e portanto, seu primo Delamere, que se apaixona perdidamente por ela. O matrimônio não era bem visto pela família, e não era algo que ela desejava, fazendo a fugir de lá com a ajuda do tio para que não fosse forçada pelo primo a situações contrárias a sua vontade. Vivendo de amizade em amizade que ela conquistava, Emmeline tocava suas amigas com seus atos de bondade, assim como despertava inveja daqueles com coração maldoso.
Charlotte me conquistou não apenas na força da personagem Emmeline, mas na de suas amigas. Mesmo a pobre Lady Adelina em seu fraco estado mental consegue encontrar fôlego suficiente para receber consolo e lutar da sua forma para se reerguer, ainda que debilmente. É uma história que foca muito nas barreiras do casamento ruim e nas benesses do bom, mas que não deixa de quase igualmente exaltar as boas amizades, em especial, a sororidade. O enredo tem de múltiplas reviravoltas a fugas mirabolantes, e coloca em primeiro plano também a comparação dos comportamentos masculinos: daquele criticável suscetível a grandes paixões e impulsos, dos ambiciosos demais, dos que amam altruisticamente porque a felicidade de sua amada é tudo o que importa, aos que amam apenas a si e aos seus próprios vícios. Não que as mulheres também não tenham essa sua dose de comportamentos reprováveis em contrapeso aos corretos, mas nelas há um peso social e um tratamento muito diferente do imposto aos homens, e que é algo que Charlotte também deixa explícito.
Uma obra que é realmente atemporal nos dramas femininos e nos pensamentos de sua heroína cujas palavras, honra e atitude são suas maiores armas, justificando ser chamada de clássico. Infelizmente pouco conhecido no Brasil, e só agora (em 2021) publicado pela primeira vez, “Emmeline” virou uma das minhas obras de literatura clássica favoritas. Como é que eu nunca havia ouvido falar em Charlotte Turner Smith?
Referências: dados históricos acerca da vida da autora foram retirados do episódio s01ep11 do podcast Clássicxs Sem Classe e da página do wikipedia dedicada a ela.
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