jota 22/02/2022ÓTIMO: leia o livro e veja o filme – parece um western, mas no fundo é mesmo uma ficção psicológica envolvendo humilhação, sedução e vingançaLido entre 16 e 21/02/2022
Desconhecia a existência de O Poder do Cão até o final do ano passado, quando surgiram notícias de que sua versão cinematográfica – com direção de Jane Campion, no Brasil intitulada Ataque dos Cães –, poderia receber várias indicações para o Oscar 2022, o que realmente acabou acontecendo. Fui atrás de informações sobre o livro de Thomas Savage (1915-2003) e uma das que mais me chamou a atenção foi a de um crítico literário americano que comparou a redescoberta de Savage nos EUA (e possivelmente sua descoberta agora no mundo todo) com a mesma que ocorreu alguns anos atrás com outro autor dos anos 1960 caído em longo esquecimento: John Williams, que escreveu o excelente Stoner, além de Butcher’s Crossing e Augustus, já lançados no Brasil.
Publicado em 1967, dois anos após Stoner (1965), mas igualmente esquecido durante várias décadas, ainda que tratem grande parte do tempo de questões envolvendo relacionamentos familiares e amorosos, as histórias que esses livros contam são bastante diferentes entre si. E ambas se desenvolvem não tanto através de acontecimentos ruidosos em suas tramas, mas muito mais no terreno da psicologia, do desconforto da mente, do sofrimento silencioso. Não há tanta ação visível assim em Stoner ou em O Poder do Cão, mas sim muita ação internalizada, traduzida na reflexão dos personagens e, consequentemente, na de quem lê essas narrativas. Além disso, outra coisa comum a esses livros é que ambos apresentam uma escrita apurada e uma narrativa continuamente envolvente, cuja leitura somente interrompemos por necessidade mesmo. Não à toa, Stoner e O Poder do Cão são consideradas, respectivamente, as obras mestras de John Williams e Thomas Savage.
Em O Poder do Cão temos dois irmãos, Phil e George, muito diferentes entre si tanto física quanto espiritualmente, vivendo num rancho de criação de gado em Montana, por volta de 1925. Phil é alto e magro, homem rude e de hábitos pouco higiênicos, tem pendores intelectuais e fez faculdade na Califórnia. George, por seu lado, é de menor estatura e rechonchudo, gentil e um tanto sofisticado para o Oeste daqueles tempos, não se deu bem nos estudos como o irmão, mas resolve os assuntos do rancho com bastante praticidade, especialmente as questões comerciais e assemelhadas. Anda pouco a cavalo, guia um automóvel e é um bocado solitário. Phil, ao contrário, monta o tempo todo e aprecia a companhia de seus vaqueiros, vive no meio deles. Um vaqueiro do passado, um tal Bronco Henry, é sua obsessão: esse é apenas um dos lances homoeróticos dessa história.
Apesar de aparentemente amigáveis (Phil costuma chamar George de gorducho), as relações entre eles são quase sempre carregadas de alguma tensão ou oposição; elas pioram enormemente quando George comunica ao irmão que se casou com Rose, viúva de um médico da cidadezinha de Beech e dona de um hotel-restaurante ali. Ela tem um filho adolescente, Peter, que pretende ser médico (mesma profissão do pai suicida), rapaz bastante sensível e tido pelos colegas de escola (e depois pelos vaqueiros) como maricas. Phil fará de tudo para constranger não apenas Rose e o filho, também George, já que ficou contra o casamento do irmão. Mais do que constranger essas pessoas ele pretende vingar-se delas, aborrecendo-as profundamente, de modo que Rose e Peter caiam fora do rancho e a vida dos irmãos volte a ser como antes. Desse modo, O Poder do Cão vai se transformando aos poucos numa daquelas histórias de vingança em que nem sempre os humilhados ou os seduzidos são os perdedores... Longe disso.