Evando 27/06/2022
Surpreendentemente bom
Antes de iniciar a minha resenha, o que já espero que venha a se tornar bem longa, pois sobre este livro há muito o que se falar, devo ser honesto e confessar três coisas: primeiro, após terminar a leitura de Uma Vida Pequena, o meu primeiro contato com a bibliografia de Hanya Yanagihara, eu achei que jamais teria paciência para ler algo mais da autora, pois achei tudo muito exagerado e prepotente; segundo, apesar da relutância que aquele livro me causou, no momento seguinte ao fim da leitura, o que ocorreu quando eu deveria estar prestando atenção na apresentação de seminários da faculdade, abri o site da Amazon e comecei a verificar os preços e sinopses de seus outros livros, garantindo a minha cópia em inglês de To Paradise” - isso somente após contatar a Companhia das Letras e ser informado de que, até então, meados de abril de 2022, não havia nenhuma previsão para a publicação de sua tradução; terceiro, pouco depois da metade da segunda parte do segundo livro, eu passei a aceitar o fato de que que Yanagihara certamente estaria entre os meus escritores favoritos.
To Paradise é um livro que não é apenas um livro, mas o conjunto de três livros próprios, publicados como um só e bem distintos entre si, por exemplo, quanto à época em que cada um deles é ambientado, o primeiro em 1890, o segundo em 1990 e o terceiro em 2090; a estrutura como as histórias nos são apresentadas: um deles possui a estrutura básica de um livro comum, linearidade e capítulos bem definidos, enquanto outro trata-se de um intercalado constante de cartas enviadas por um dos protagonistas e capítulos em primeira pessoa; e as temáticas abordadas, o primeiro sobre seguir os seus ideias próprios, o segundo sobre dependência - em seu conceito mais amplo, e por fim, o terceiro discute sobre a natureza humana em tempos tão turbulentos: uma pandemia.
Apesar dos três possuírem as suas particularidades, estes ainda possuem um ponto-chave em comum, o que também nos leva ao título do livro: uma busca infindável pelo paraíso pelos seus protagonistas, que pode ser compreendida distintamente de um leitor para outro. Apesar de tantas diferenças, alguns pequenos detalhes ainda se repetem, assim conectando a obra como um todo, como os nomes do personagens principais dos três livros, que são os mesmos: David, Charles, Nathaniel, Edward, Eden… e alguns dos seus sobrenomes, como Griffith, Bishop e Bingham; algumas das locações também são as mesmas, e, como nos demais escritos de Hanya, o Havaí e Nova York estão muito presentes.
Um fato curioso é que, pelo menos não oficialmente, os três livros não possuem conexões diretas, mas no terceiro, há uma breve referência ao que nos é contado no primeiro livro por meio de uma das visitas da protagonista à um contador de história. Portanto, não se sabe se todos os Griffith e Bingham possuem alguma ligação ou é apenas um artifício encontrado para a autora para que este conjunto consiga fazer algum sentido - o que achei incrível.
O primeiro livro, Washington Square, para mim, foi o mais desinteressante, mas o progressismo americano em 1890 foi genial, embora eu o julgue incompleto por conta de fatores que não serão aqui citados, pois podem ser entendidos como spoilers. O segundo, Lipo-Wao-Nahele, dividido em duas grandes partes, foi dicotômico: a primeira parte não me apeteceu tanto, mas a segunda me deixou curioso e entretido, a relação de pai e filho nela abordada me deixo curioso para o seu desfecho. O terceiro, Zone Eight, o meu favorito, e digo com tranquilidade que esse é merecedor de receber uma adaptação pela HBO à nível de Chernobyl, com a sua mesma carga emocional dramática e o mesmo filtro utilizado em tela, que deixa todas as imagens neutras e esverdeadas, passando uma sensação nostálgica por um futuro que nunca veio e esperamos que nunca venha. Neste último, a escassez de descrições me deixou bastante incomodado, mas ao longo da leitura, percebi que estava imerso em minha própria concepção daquele novo mundo, o que me fez perceber que foi um meio muito inteligente.
É impossível falar sobre algum livro de Hanya Yanagihara e não lembrar de elogiar a sua escrita: simples, fluída e bonita de se ler - mesmo nos momentos em que ela toma longos parágrafos para afirmar o que poderia ser feito somente com uma única frase, o que, infelizmente, torna um tanto cansativo. Todavia, a sua obsessão por homens homossexuais de meia idade e jantares de famílias ricas é sádica, preocupante e repetitiva, o que torna alguns de seus personagens muito iguais e com a ausência de uma personalidade própria. Entretanto, a sua coragem de deixar tantas perguntas sem respostas e tratar sobre temas polêmicos, o que falta em muito de seus colegas autores contemporâneos, deve ser sempre exaltada e reconhecida.
Felizmente, To Paradise é bem diferente de Uma Vida Pequena, que anda em ciclos quanto aos sofrimentos de Jude, possuindo uma atmosfera própria que não "gatilha" os seus leitores, porém os deixe igualmente melancólicos. Há momentos chatos, monótonos e desnecessariamente longos como em qualquer outro livro, mas também vários interessantes, desafiadores e surpreendentes, provando que Yanagihara não tem medo de arriscar, fazendo valer toda a ansiedade de seus leitores para o lançamento de seu próximo livro. Diferente do meu primeiro contato com ela, desta vez não estou cogitando nunca mais lê-la, pelo contrário, já estou procurando adquirir a minha cópia física de The People In The Trees.