Lali Jean 22/02/2024
Estudo de Imagem, Ancestralidade e poema pros seis sentidos
Macala é um longo poema. É também uma pergunta, uma imaginação à imagem "Mulher Negra da Bahia" de 1895 de Marc Ferrez. É um estudo de imagem e de ancestralidade. Pequeno livro para ler com as mãos, a imagem de Macala está furtivamente em movimento na capa do livro. Primeiro os olhos. Depois a nomeação do Outro. Depois o semblante, depois o foco na indumentária e no punho cerrado, que diz tanta coisa e que se impõe ao poema de Luciany Aparecida. Há um torso na cabeça, que sendo tradicional, não é dos mais comuns. Dá indícios de distinção. Brincos de pitanga. Pulseiras e braceletes em ambos pulsos. Contas finas e suntuosas no pescoço, não são correntões. O camizu branco em barafunda contrasta com o cetim escuro da pele, e o tom sépia da impressão, da capa do livro. Há balangandãs e um pano da costa deitado no espaldar da cadeira. Muita luz e sinais de realeza no trajar e feição de Macala, um semblante impassível que nos obriga a implicar com a foto. Quem tirou, por que as tirou?
O nome é moçambicano. E se a ignorância de nossa genealogia africana não nos conduz a isto, a evocação do Oceano Índico te obriga a lembrar do mapa. A roupa te faz pensar em mapas. Luciany escreve: "Minha imagem é geografia das nossas memórias". E é o que penso todas as vezes que estou diante de histórias, nomes, roupas e acessórios de mulheres de terreiro. Nelas se comunica a Diáspora. Um lugar, uma presença no mundo. A todos os sentidos, convoca o poema. Macala é também nome para brasa. Então o poema nos obriga novamente ao regime da carne. Se a brasa flamejante na mão de Macala deixou (mais) feridas em seu corpo. A musicalidade do poema convida os ouvidos. Precisei ler com meu fiapo vocal, para ouvir ainda mais o ressoar dos mandamentos: "segura"; "ergue a cabeça" "lembra", "escuta", "não grita agora, segura".
Transcrevo a nota etimológica que encerra de rodapé a obra: "Macala/ma-khala é uma palavra da língua ronga, falada em certas regiões da cidade de Maputo, em Moçambique, que tem duas acepções: carvão vegetal ou mineral: a pessoa de pele negra."