Pandora 15/03/2022Para tentar me curar da minha falta de concentração, que estava me afastando dos livros, decidi voltar a ler romances policiais. Em geral, são histórias esquecíveis mas que prendem a minha atenção, e mesmo quando eu brigo com o autor, com os personagens e reviro os olhos para o amontoado de clichês, viro uma página atrás da outra querendo saber mais e mais até o fim do mistério.
Não sei se porque este livro me salvou neste momento ou se porque antes de lê-lo eu me apaixonei pela história de amor da autora com o marido, falecido em 2016 - porém ainda vivo quando ela escreveu este livro -, mas eu consegui encontrar aqui algumas coisas que me agradaram bastante.
A primeira, que a pessoa assassinada fosse uma senhora pacata de 76 anos. Moradora de uma cidadezinha bucólica canadense cercada de bordos, claro, que histórias em cidadezinhas geladas sempre me ganham.
A segunda, a humanização dos personagens: mesmo o inspetor-chefe, que é um homem conceituadíssimo, erra vários palpites; a policial-estagiária é inteligente e tem boas ideias, mas é arrogante e indisciplinada; a artista sem fama não produz nada vendável, mas quando sonha com lençóis novos e imaculados e produtos caros, culpa a lerdeza do marido, cujas peças vendem, mas demoram meses para serem produzidas.
Depois, algumas delicadezas, como a cena em que a cachorrinha sente falta da dona morta:
Pág. 81/82 - “Todos os dias da vida canina de Lucy, Jane havia fatiado uma banana para o café da manhã e, como que por milagre, deixado cair uma das rodelas perfeitas no chão, onde ela ficava por um segundo antes de ser engolida pela cadela. Todas as manhãs, as orações de Lucy eram atendidas, confirmando sua crença de que Deus era velho, estabanado, cheirava a rosas e morava na cozinha. Não mais. Lucy sabia que seu Deus estava morto. E sabia que o milagre não era a banana, mas a mão que a oferecia.”
Por último, quando eu me perguntava como é que tantos talentos moravam num fim de mundo que nem estava no mapa, a própria autora ironizou a narrativa:
Pág. 258 - “Será que Margaret Atwood era catadora de lixo por lá? Ou talvez o primeiro-ministro Mulroney fosse o novo carteiro local. Ninguém era o que parecia ser. Todo mundo era um pouco mais.”
Do que eu não gostei então? Da tradução. Bem mais ou menos. Do assassino, do motivo, da conclusão… não comprei a ideia, não me convenceu. E se a gente passa a leitura na ânsia frenética de saber, afinal, quem cometeu o crime, quer uma boa explicação, não é mesmo?
“Houve um tempo na minha vida em que eu não tinha muitos amigos, meu telefone nunca tocava e eu pensei que fosse morrer de solidão. Sei que a verdadeira benção aqui não é ter publicado um livro, mas ter tantas pessoas a quem agradecer.” - Louise Penny, nos agradecimentos.
Ela não é adorável, gente?!
Notas: Natureza Morta é o primeiro livro da série com o inspetor Gamache.
Still Life: A Three Pines Mystery, filme de 2013, dirigido por Peter Moss, foi baseado neste primeiro livro.
Alfred Molina interpreta o inspetor Gamache na série Three Pines, prevista para estrear no Amazon Prime Video, ainda sem data.