Paulo 26/12/2023
A partir da biografia de William Hope Hodgson, sabemos que ele tem um interesse bastante curioso em histórias que envolvam navios e o alto mar. Nesta narrativa ele nos coloca ao lado de três marinheiros a bordo de um pequeno navio que, em uma dada noite, são chamados por uma estranha voz escondida por trás de um nevoeiro. Essa voz pede ajuda a eles, e no começo eles ficam pensativos sobre se devem ou não ajudar essa voz. Afinal, pode ser uma armadilha e um grupo de piratas ou bandidos pode estar os atraindo para algum outro lugar. Depois de muito conversar, Will, um dos marujos, decide enviar comida para ajudá-los. Passado algum tempo, a voz retorna para agradecer e contar sua insólita história de como ele e sua esposa foram parar em uma pequena ilha que se encontra próxima deles. E esconde um perigo bizarro e além de nossa imaginação.
Aprendi a gostar da habilidade de Hodgson em construir a tensão. Este é um autor que consegue fazer boas histórias mantendo o mistério daquilo que está escondido por trás da moita, do nevoeiro, das ruínas. Aquele bom terror que não diz ou mostra aquilo que o leitor está vendo, mas o insinua. E esta insinuação é o que nos deixa mais tensos. Stephen King já comentou de seu fascínio pelas histórias de Hope Hodgson e como ele buscou emular essa sensação de estranhamento e apreensão em seus primeiros trabalhos. Os diálogos que os marujos realizam com a voz mostram o quanto aquela situação ali era volátil. Eles não tinham como saber o que estava escondido. Se fosse algo realmente perigoso, os três estariam perdidos. Não haveria como se defender desse ataque. Por isso que quando George acaba sendo meio grosseiro com Will por sua credulidade, não achei que aquilo era estranho ou o personalidade era maligno. Não sei como seria a minha reação a uma situação tão esquisita como aquela.
O que acabou me pegando um pouco e me tirando fora da história foi a mudança súbita que Hodgson faz de um suspense para algum tipo maluco de weird fiction. Saímos de uma voz esquisita na noite para fungos invasores de corpos. A minha reação foi aquela de "WTF" no mesmo segundo. Apesar de destoar completamente dos momentos iniciais da história, Hodgson até cria uma justificativa adequada para inserir algo tão fora da curva para a história. Saímos de uma narrativa que emprega muitos diálogos e um senso de apreensão/tensão para uma narrativa em forma de relato. Essa segunda metade da história tem um aspecto mais narrativo propriamente dito, sem comentários dos demais integrantes do navio. O que acabou me soando meio fora de compasso porque é impossível um personagem ouvir falar sobre fungos invasores de corpos e não demonstrar nenhuma reação ou interromper o narrador dizendo que ele é um mentiroso. Minha suspensão de descrença foi lá para baixo nesse momento porque a mudança de tom entre uma metade e outra é brusca demais. Por isso que sempre digo aos autores que tenham cuidado com alguns elementos de escrita que não damos tanta atenção como ritmo, estilo e tom. A primeira metade é muito, mas muito boa... a segunda é bizarra demais. É você criar uma expectativa A e se assentar bem a uma história apenas para tê-la bastante alterada logo em seguida. Talvez uma mudança de tom tão grande quanto essa pudesse ter sido feita com mais páginas e uma alteração mais gradual, fazendo o leitor perceber que havia um algo mais ali. Nesse caso sim.
É uma história bem interessante que merece a sua atenção no sentido de que nos mostra uma forma que foi meio que abandonada atualmente de escrita de terror. Sugiro a leitura com uma atenção aos detalhes de como Hodgson faz para construir a tensão e o medo, como ele nunca fala, mas sugere as coisas (mesmo quando ele vai para o lado mais estranho) e como ele envolve o leitor em sua teia. O ponto fraco desse conto é a mudança brusca de tom que consegue tirar o leitor da história com muita velocidade.
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