Resenhas - O diário de um louco

Gabriel Perez Torres 10/04/2024

Reflexões e Contradições no "Diário de um Louco"
"Diário de um Louco" é uma narrativa intensa e multifacetada de Lu Xun, uma figura proeminente na literatura chinesa moderna. Esta obra não apenas expõe as mazelas sociais da China no início do século XX mas também oferece um mergulho profundo na psique humana, tecendo uma crítica complexa ao canibalismo cultural e moral.

Através dos olhos do narrador, mergulhamos num mundo onde a linha entre sanidade e loucura se desfaz, refletindo o conflito entre tradições arraigadas e a necessidade de reforma social e cultural. A paranoia do protagonista, enquanto espelho de sua sociedade, desdobra-se em uma alegoria poderosa sobre a cegueira coletiva aos vícios humanos e a inanição moral, sugerindo que o verdadeiro canibalismo transcende o ato físico, manifestando-se nas relações interpessoais, no preconceito e na exploração dos vulneráveis.

O conto é marcado por uma estrutura epistolar que, ao invés de limitar, amplia seu alcance temático, permitindo uma interação mais profunda com a mente do protagonista. Essa escolha estilística de Lu Xun não apenas humaniza o personagem mas também instiga o leitor a questionar a própria sanidade das normas sociais aceitas.

"Diário de um Louco" é, portanto, mais do que um relato sobre a deterioração mental; é um grito de protesto contra a indiferença, uma crítica à inércia cultural e um apelo à reflexão e à mudança. O protagonista, em sua loucura, torna-se o único verdadeiramente lúcido, capaz de enxergar a realidade canibalística de sua cultura e sociedade. Nesse sentido, a obra de Lu Xun permanece relevante, provocativa e profundamente humana, ecoando além de seu contexto original e desafiando cada leitor a reconhecer e questionar os "canibalismos" de sua própria época.